O velho Espinas foi uma pessoa de quem muito gostei. Teve por mim uma afeição singular, nunca compreendi bem por quê. Autor de um livro notável (procurar o título exato) sobre o sentimento social em certos insetos, sua curiosidade foi em seguida levada a Platão e à sabedoria grega. Ele escutava tão bem quanto falava, o que é extremamente raro, e muitas vezes eu me surpreendia de ver seu pensamento antecipar o meu em alguns pontos sobre os quais, em geral, me dão pouco crédito. Um ataque prostrou de súbito essa bela inteligência. De um dia para outro, tornou-se ele apenas um miserável corpo doente e doloroso, que devia recorrer a todo momento aos cuidados e às delicadezas que sua dedicada esposa prodigalizava. Aguardava-se vê-lo partir; chegava-se a desejá-lo porque ele já não passava de um trambolho exigente e a sra. Espinas já não podia mais com isso. Acrescentemos que o velho casal estava em uma situação de finanças muito precária; ainda por cima, nenhum deles queria ouvir falar de uma enfermeira: a sra. Espinas devia ser suficiente para tudo. Ora, para a perfeita estupefação e consternação dos filhos, dos amigos, não foi ele, foi ela que morreu. As faculdades do velho Espinas estavam então a tal ponto enfraquecidas que ele não se deu conta de sua dor, compreendeu apenas que alguém, em seu pequeno apartamento, acabava de morrer e, confusamente, pensava que esse alguém só podia ser ele.

Ouvi de minha tia, sra. Charles Gide, a narrativa da cerimônia fúnebre que reuniu, o dia previsto para a inumação, em torno do ataúde, os íntimos que se apresentavam para acompanhar o féretro ao cemitério. Relegaram o velho Espinas, incapaz de participar de coisa alguma, a uma pequena sala, sob vigilância especial. E, com um mínimo de fasto, o ritual do culto protestante prosseguia, quando, de repente, abafando o murmúrio discreto das orações, escutou-se, vinda da sala vizinha, a voz tonitruante do velho Espinas, furioso, a berrar: “Vivo ou morto, eu preciso de comer!”

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I can’t speak English” foi a única frase que durante muito tempo pude dizer em inglês e a qual usei pela primeira vez durante a primeira e muito curta viagem que fiz a Londres com o pastor Allégret, a quem minha mãe havia me confiado. Ele me levou para ouvir um pregador, célebre nesse tempo, Spurgeon, que batizava, depois do sermão, em uma piscina ad hoc, os adultos. Estes, vestidos para a circunstância com roupas apropriadas, se prestavam a uma imersão total, a que assistimos. Depois do serviço, como todo mundo fosse embora, uma jovem senhora muito decente veio ao meu encontro, perto da saída, e me disse algumas palavras com uma voz das mais suaves; palavras às quais protestei, a sorrir: “No, thank you” (isso eu sabia dizer), pensando que ela se oferecia para me fazer algum favor. Ela se empertigou logo e tive dúvidas, pelo seu ar irritado, que não era absolutamente aquilo o que eu deveria ter respondido. O pastor Allégret tinha ouvido tudo. “Ela lhe perguntava se você queria ser salvo”, explicou-me ele. Durante o resto da viagem fiquei prudentemente mudo.

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