Houve um tempo, há muitos anos, em que a vida era barata, em que o luminoso engenho humano ainda não havia inventado a vida cara. O operário trabalhava, a classe média se defendia, os ricos se enriqueciam. Reinava uma grande harmonia social no mundo. O Estado e os capitães de indústria e de comércio remuneravam os seus funcionários e empregados com importâncias que lhes eram suficientes para comprar alimento e vestuário, que as outras duas necessidades humanas fundamentais, prescritas pelos economistas, são de graça: o ar e o ponto de apoio.
Nessa época remota da vida barata, este era um mundo razoável, e razoável teria continuado o mundo se, um dia, um indivíduo pessimista não houvesse pronunciado uma frase temerária: “Parece que o custo da vida vai subir”, suspirou esse miserável.
Ora, tudo indica que essa afirmação infeliz foi cair exatamente nas orelhas de um dos donos do mundo, um dos homens que tinham fábricas e contas nos bancos. Esse homem foi para casa, pálido, em pânico, e disse para a mulher: “O custo da vida subiu muito”. Refeita do terrível susto, a mulher dele telefonou para suas amigas, mulheres de outros homens que tinham fábricas e contas nos bancos: “Você nem faz ideia, meu bem: o custo da vida está altíssimo. Não sei o que vai ser de nós”!
A notícia alarmante de que o custo da vida estava dramático se espalhou num átimo. Os homens que tinham fábricas e contas nos bancos, de espírito mais prático que suas mulheres, começaram a tomar providências oportunas, a fim de que o custo da vida não os levasse à miséria. Um, que fabricava sapatos, aumentou o preço dos sapatos; outro, que tinha uma cadeia de cinemas, aumentou o preço dos ingressos em suas casas de espetáculo; um, que plantava bananas, aumentou o preço das bananas; outro, que tinha ônibus e influência no Governo, aumentou o preço dos ônibus; um, que vendia gado para corte, aumentou o preço da carne; outro, que tinha usinas, aumentou o preço do açúcar.
E tudo, tudo aumentou, inclusive a paciência dos consumidores, dos que viviam apenas de seu trabalho, e não tinham nada para vender. A vida foi ficando cara para esses. Para os outros, os que tanto se alarmavam, ao contrário, a vida foi ficando mais barata. Então, estes últimos, com muita sagacidade, descobriram que só tinham a lucrar com a vida cara. Assim, encarregaram-se eles mesmos de espalhar, periodicamente, que a vida ia ficar mais rara. E ficava realmente. Os gêneros subiam, os consumidores pagavam; a roupa, com que se cobre o corpo, subia, os consumidores pagavam; as casas, onde nos abrigamos, subiam, os moradores pagavam.
Tudo corria muito bem para os que possuíam fábricas e contas nos bancos e muito mal para os que só possuíam braços, mulher, filhos e contas a pagar.
E assim é hoje. E assim será até o dia em que, enchida em excesso, como um balão, a paciência estoure.