Como boêmio, Leonardo era um clássico. Há uma meia dúzia de anos, tive ocasião de acompanhá-lo a algumas festinhas alegres em casas de amigos seus. Leonardo tomava todas as providências a fim de que o assustado não fracassasse. Dias antes, telefonava aos convidados, equilibrava o número de moças e de rapazes. Aquelas, entre 20 e 50 anos. Os rapazes entre 50 e 60. Eu era uma exceção, o que muito me honrava.

Era meticuloso e distinto ao extremo.

Os homens deviam levar as bebidas.

— Três por uma garrafa, senão fica muito dispendioso e pode haver algum exagero na bebida, ele dizia manso e grave.

Confiou-me um segredo: em um boteco de Botafogo, havia um uísque imemorial, de marca já extinta, e que ele estava comprando a 100 cruzeiros a garrafa. Uma por uma, para que o português não desconfiasse, ele levou todo o estoque, de umas três caixas. Acompanhei-o uma vez nessa sutil e demorada operação de levar o uísque, a 100 pratas, sem que o dono do boteco desconfiasse. Leonardo entrou, apertou a mão do português com o melhor de seus sorrisos, perguntou-lhe pela família, falou do Vasco. Tinha um carro esperando na esquina mas procedia como se fosse passar ali a tarde inteira. Depois de toda sorte de conversas gratuitas, indagou, distraído.

— O senhor tem um bom uisquezinho aí?

— Temos algumas marcas: o White Label, o Cavalo Branco, o Old Parr...

— Isso é que é uísque! — suspirou Leonardo. — Mas hoje em dia só milionário pode comprar uma bebida dessa qualidade. 

— Tem também daquela marca que o senhor tem levado das outras vezes, disse o português.

— Ah, sim, soluçou de novo Leonardo, aquele uísque de pobre! É em uma hora dessas que eu penso nas injustiças sociais, “seu” Joaquim.

— Mas não é bom o uísque? — perguntou “seu” Joaquim.

— Uma cachaça melhorzinha, uma cachaça melhorzinha.

— Mas é barato, doutoire.

— Barato?! O senhor está com ideias de rico, “seu” Joaquim. Então acha barato, uma garrafinha de cachaça por 100 cruzeiros?

— Hoje, eu lhe faço a 90.

Tive vontade de tirar o dinheiro do bolso, pagar logo e ir embora. Leonardo fez um gesto para que eu me pacientasse. Mudou novamente de assunto, falou em um acontecimento qualquer da época. Depois pediu para ver uma garrafa de outra marca, acariciou-a, namorou-a, suspirou. Por fim, pediu a garrafa da marca extinta e a olhou com repugnância:

— Dou 85, “seu” Joaquim.

— Ora, doutoire, que diferença vai lhe fazer cinco cruzeiros?

— Pois faz, “seu” Joaquim, faz muita.

— Ora, leva, disse o dono do boteco, já embrulhando a garrafa do uísque mais puro e mais suave que já provei nesta vida.

À saída, Leonardo sorriu discretamente para mim:

— Tem de ser assim, meu velho.

Nessa mesma tarde, ele mandou o motorista passar pelo cemitério São João Batista, embora a festa fosse em Copacabana. Não quis explicar-nos os seus motivos.

— Vocês verão.

Defronte do portão do cemitério, entrou em uma casa de flores, escolheu minuciosamente um buquê variado e o levou para o carro. 

— Por que isso, Leonardo?

— Porque eu sou casado.

— Hein? 

— É claro, meu velho. Se sou visto aqui comprando flores, quem haveria de duvidar que as flores não são para um funeral?

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