Meu jovem poeta: Por que voltou? Não sabe que sua obra está terminada? Não compreendeu que a tranquilidade de São Borja, com os bois solitários, cheios de significação, é o único agasalho para quem perdeu a força criadora.

A sua obra está terminada, repito. Sob o belo título de A nova política do Brasil, ela encerra todos os recursos de uma grande tragédia. Lembra-se? Eu lhe dizia que as coisas não são tão compreensíveis como geralmente nos querem fazer crer. Grande parte dos acontecimentos é indizível e mais indizível que tudo são as tragédias como a sua, existências misteriosas cuja vida perdura, ao contrário da nossa, que passa. Aí está a realidade para confirmá-lo. Você passou, mas resta o inefável consolo de sua obra: as extensas filas, pálida imagem do infinito, serpentes poderosas a colear pelas ruas da cidade; aí está a falta do pão, a lembrar os homens a profundeza de uma passagem evangélica; aí está a pobreza, e a pobreza é bela; aí está toda uma trama de inextricáveis dificuldades e apenas o que é difícil merece o nosso amor. Não há dinheiro para alguns e há fortunas para outros: também isso é belo e comunica às almas uma ansiedade santificada. E a sua obra, a sua tragédia. Por que não estar contente, meu caro senhor? Por que voltou de São Borja? Ah, meu jovem poeta, as obras mais belas são as que fazem os homens sofrer. Por que voltou de São Borja?

O senhor me dirá talvez que tem nesta cidade duas cadeiras: uma no Parlamento e a de nº 37 na Academia Brasileira de Letras? Entretanto, de que vale isso ao senhor?

Parlamento, o senhor já dissolveu um, em 1937, provando que não os preza. E mais dissolveria, se pudesse. Quanto a uma academia literária, não se preocupe: a glória que lhe advier dela é falsa, simples mal-entendido criado em torno de seu nome.

Volte, portanto, jovem poeta. Não acredite nos outros. Sempre o aconselhei a não ler as críticas elogiosas que lhe fizeram alguns escritores de sua terra. Também eu as vi. Entretanto, a grandeza dramática de sua obra, sobrepassa todas as palavras do Almir Andrade, do Cassiano Ricardo, do Eloy Pontes, do Gastão Pereira da Silva, do Joracy Camargo, do Jaime de Barros e de todos os outros, ainda que se lhes ajuntassem todos os discursos e todos os programas diários do D.I.P.. As palavras passam; a sua obra fica. A sua obra é uma queixa, não está nos livros que tentaram interpretá-la. É uma coisa viva, não está no discurso do sr. Ataulfo de Paiva. Dizem que o senhor foi um ditador. Não importa. Ainda que fosse verdade, até mesmo esta palavra é bela: existe nela a evocação do destino e a dor. O seu destino…

Ah, por que voltou de São Borja? Eu lhe dizia que o amor era difícil, que amar os seres humanos é quiçá o mais difícil que nos tenha sido encomendado, a suprema, a última prova, o trabalho diante do qual todos os outros não são mais que preparação.

Por que voltou? Voltou tarde. A sua obra está terminada. Ninguém pode ajudá-lo. A solidão é igualmente bela.

paulo-mendes-campos
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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