Flávio, o meu neto, tem cinco meses; mas aos quatro foi pessoalmente matricular-se na Escola Maternal do Colégio Bennett. Agora, no Brasil, é assim. Quem quer garantir a instrução dos filhos tem que lhe guardar o lugar na escola ainda ab ovo, praticamente.
E não se diga que isso acontece apenas com colégios exclusivos, onde a procura é maior que o número de vagas, nem se explique que o mesmo sucede com alguns colégios famosos da Europa.
Porque a verdade é que aqui, no Brasil, isso acontece com todos os colégios, até os piores, até os que nem o nome de colégio merecem.
E se fossem apenas os particulares! Afinal, se a procura é maior que a oferta, a culpa não é deles, não são instituições públicas. Não, o aspecto mais dramático da falta de matrículas é precisamente o que se registra nos estabelecimentos de ensino oficiais.
A carência atinge a todos, até aos ricos; e quando, num país de desigualdade social tão chocante como o Brasil, a carência atinge os ricos, pode-se imaginar o que a essas horas estarão enfrentando os pobres.
Pois o grave, o terrível, é o caso das escolas e colégios públicos, desde o jardim de infância até o curso ginasial. Dantes, tal miséria tão vergonhosa observava-se apenas nas localidades perdidas do interior, onde não chegava o olho da autoridade. Mas hoje, onde a miséria do ensino se sente mais grave, é aqui, precisamente aqui, dentro da capital da república. É aqui que os meninos crescem e ficam homens sem jamais terem entre as mãos uma carta de ABC, não por ignorância ou relaxamento dos pais, mas unicamente porque não foi possível obter matrícula para aquelas crianças numa escola primária.
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De primeiro havia campanhas de alfabetização, cartazes, livros, slogans, pregando a necessidade do brasileiro aprender a ler. Parece que hoje essas campanhas amorteceram — pelo menos já não se veem cartazes com tanta frequência. Seria realmente muito cinismo. Porque ensinar a ler é muito bom — mas onde? Mormente quando a mãe e o pai são igualmente analfabetos e, pois, não há sequer o recurso do ensino em casa.
A brutal, a dura verdade é esta: o governo por tal maneira abandonou a questão do ensino que, hoje em dia, a proporção de vagas existentes nas escolas, em relação ao número de crianças em idade escolar, seria ridícula, se não fosse o que é realmente — uma tragédia.
A gente se preocupa muito com o problema da infância abandonada. Mas o que é a falta de escolas senão o fator número um do drama do abandono da infância? Como seria muito menos abundante a colheita de delinquentes do SAM, se houvesse mais escolas para distrair a vocação dos malandros e malfeitores precoces!
Outro problema igualmente vergonhoso e muito em foco é a fraude, a corrução eleitoral. E como ajudaria a moralizar as eleições se em verdade o eleitor soubesse ao menos ler o nome do candidato, para conhecer em quem votava, na hora de meter a cédula no envelope, dentro da cabina indevassável.
Mas o que acontece? O Ministério de Educação, as Secretarias de Instrução estaduais e municipais, todos confessam candidamente que não dispõem de verbas. Senhor Jesus, somos em verdade um país tão indigente, que não podemos pagar escolas para os nossos filhos!
Faz-se siderurgia, lançam-se estradas de asfalto por milhares de quilômetros, o governo não tira da boca a história dos milhões e bilhões que vai gastar em barragens e em fábricas. Mas a escolinha — quatro paredes caiadas, dez renques de bancos de pau, a mesa da professora e a própria professora, que é uma única moça ganhando salário mínimo, — para isso, para esses gastos astronômicos, o governo não tem dinheiro.
Há qualquer coisa de patético e de fazer corar nas filas de mães e filhos que varam a noite e a madrugada, na esperança de conseguir um lugar na escola — lugar que quase nunca é obtido, apesar desse sacrifício todo. E na escola normal a desgraça é a mesma. Entrar no Pedro II é hoje tão difícil quanto entrar na Academia Brasileira de Letras. Ou pior. Proporcionalmente há mais vagas na Academia, pois os acadêmicos, sendo mais velhos, morrem mais do que os meninos.
Mas compram-se dois palácios voadores, a jato, para o presidente passear. E gastam-se 360 milhões de cruzeiros com as rações de alfafa para as alimárias do Exército. E adquire-se um porta-aviões na Inglaterra. E constrói-se uma cidade nova em folha, no coração do planalto Central. Com certeza lá não faltarão palácios, e não faltam mesmo, que aí estão as maquetes, belíssimas, com a assinatura de Oscar Niemeyer. Não faltarão Ministérios monumentais, nem parques, nem nada do que o luxo oferece a uma cidade moderna, onde os grandes da terra passarão a viver. Mas a escola da criançada aprender a ler, a escolinha que é bom, — para essa não vai sobrar dinheiro, todo o mundo sabe.
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Bilhete: Dom Hélder, nosso irmão, o senhor sabe que a miséria e a ignorância são os dois secretários do diabo. Por que não combina com o Cardeal, e não cedem as sacristias das igrejas para que nelas se localizem escolas provisórias, e não convocam professoras voluntárias, que ensinem um pouco de ABC e de moral à legião de crianças abandonadas pelo Governo?
Não acha que seria uma espécie de serviço auxiliar à sua heroica Cruzada de São Sebastião?