Não, não adianta fazer usinas, fabricar automóveis, abrir estradas, construir cidades, enquanto o mal pior de todos não é liquidado. Parece que tudo isso que se está erguendo, numa febre de crescimento que tem aliás um nome tão feio — o chamado “desenvolvimentismo” — é como uma bela superestrutura de estuque, assentada sobre uma estrutura de coisa nenhuma. Porque esse povo para o qual se ambiciona progresso e em benefício do qual se procura transformar o país, esse povo praticamente não existe. Queixam-se os idealistas das massas amorfas, queixam-se os homens do progresso da falta de compreensão e de técnicos, queixa-se todo mundo da apatia, da indiferença das populações do interior, mas é engraçado, ninguém procura localizar a causa da moléstia, e muito menos remediá-la. No entanto, a resposta é tão simples; o Brasil não pode progredir de verdade, porque o Brasil não sabe ler!

E o dramático, nessa história de analfabetismo nacional, é que, quanto mais a população cresce, quanto mais se elevam os índices de saúde, quanto mais diminui a principal das nossas pragas — a mortalidade infantil — quanto mais se combatem a malária, o mal de Chagas e outras moléstias ruins que consomem o brasileiro, em suma, na proporção em que melhoram as condições gerais e a população aumenta, mais cresce, paralelamente, o analfabetismo. Segundo as estatísticas, a população do Brasil cresce quase em proporção geométrica. Onde hoje eram 20, amanhã serão 40, depois de amanhã 80. Mas as escolas, que não chegavam sequer para os 20 iniciais, como é que vão dar para os 160 do fim da semana? O fato é que, segundo informação do IBGE, há, no Brasil, 65% de analfabetos. Já é um índice péssimo. Mas, segundo se estabeleceu no V Congresso de Municípios, reunido no Recife, em dezembro de 1959, a proporção de analfabetos nos municípios do interior chega a alcançar de 80 % a 85 % do total da população!

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Recitado esse prólogo melancólico, entro agora de arauto, e comunico a quem interessar e, portanto, a toda a gente deste país, que O Cruzeiro resolveu entrar na briga contra o analfabetismo. Dentro de uns 60 dias, vamos iniciar uma campanha gigante, mediante a qual se procurará, por todas as maneiras, ajudar o brasileiro analfabeto a aprender a ler. Para começo de conversa estamos providenciando a impressão de cinco milhões, (sim, eu disse, cinco milhões) de cartilhas ou guias de leitura, que serão distribuídas gratuitamente por todo o território nacional. Vamos lhe oferecer prêmios por cada ex-analfabeto alfabetizado que você nos apresentar. Apelamos, desde já para os voluntários: cada pessoa que sabe ler não precisa de outro título, basta saber ler! — que ensine as letras da leitura a um analfabeto. Em troca do seu esforço, receberá um talão, mediante o qual fará jus aos prêmios fabulosos que poremos em sorteio. Oportunamente, publicaremos as condições desse concurso sui-generis e explicaremos como se fará o controle dos concorrentes.

Professores que atingirem determinada cota de alfabetizações, dentro de certo prazo, também terão o seu prêmio representado por bolsas de estudo para países estrangeiros. E os municípios que apresentarem maior índice de alfabetização, também serão premiados.

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Este ano, em que entramos agora, é um ano de eleições, das mais importantes que já se realizaram no Brasil. Decide-se a escolha do presidente da república, numa das fases mais difíceis que temos enfrentado, com o custo de vida atingindo níveis apavorantes, a moeda desvalorizada, o povo desorientado, aflito e resmungando, e a tremenda máquina do tal chamado “desenvolvimentismo” posta a rolar, a exigir recursos cada vez maiores, com voracidade de gigante. Só um homem excepcional, que se erga muito acima da mediocridade das soluções de rotina, só um grande presidente poderá salvar o Brasil nesta crise. E, em hora assim grave, é indispensável, portanto, que o maior número possível de brasileiros junte as cabeças e os corações, e colaborem todos na escolha do presidente providencial e indispensável. Os partidos políticos já fizeram a sua escolha. E cada um acredita que elegeu o candidato melhor para ocupar o palácio novo de Brasília e tirar do caos os brasileiros. Cada eleitor, portanto, seja qual for o seu partido, se quer ajudar na vitória do seu candidato, não se contente a dar um voto: dê dois votos, pelo menos: ensine a ler um analfabeto e o transforme num eleitor!

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Quem não sabe ler é como quem não enxerga. Se lhe fosse dado, com um pequeno esforço, devolver a um cego a luz dos olhos você se recusaria? Então, por que não ajuda a esse cego seu vizinho, seu empregado, seu compadre, seu conhecido, a sair daquela escuridão de quem não sabe ler, não descobre para ele o mundo mais bonito de todos que é o dos livros, o mundo do conhecimento e, acima de tudo, o mundo da cidadania? Sim, cada vez que a gente ensina uma criatura a ler, está operando um milagre: transforma um analfabeto num cidadão. Analfabeto é como criança, como maluco ou incapaz, não tem praticamente existência civil. Não vota, não é votado, é como se não fosse ninguém, já que, como cidadão, não existe.

Pois é para tirar os brasileiros desse nada em que se afundam, que O Cruzeiro virá pedir sua colaboração. Vamos mudar essas estatísticas, vamos abrir os olhos dos cegos, vamos ensinar a ler crianças, adultos e velhos. Vamos fabricar brasileiros úteis! Com as simples 24 letras do ABC poderemos transformar essa massa ignorante que aí está, atrasada e passando fome, em técnicos, agrônomos, doutores, sábios!

Será milagre muito mais importante do que mandar para o céu mil “sputniks”. Aliás, é também uma única maneira de produzir “sputniks”.

rachel-de-queiroz
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