Sei que estas notas não sairão impressas na euforia das primeiras horas, nem mesmo dos primeiros dias. (Revista se faz devagar e com antecedência). Mas são escritas à música dos foguetes, no instante mesmo em que a cidade vibra, e canta, e carnavaleja, sacudida por um terremoto de felicidade. Digo a cidade, porque é onde estou; mas sei que no Brasil todo é a mesma coisa. Custou, mas veio! 28 anos esperamos, 28 anos servimos — exatamente o quádruplo do que Jacó serviu a Labão. Mas a taça Jules Rimet também vale 400 vezes mais do que qualquer serrana bela.
Será uma indicação de que a sorte afinal mudou, e que já estamos pondo o pé no caminho daqueles altos destinos a que todos nos dizem fadados, mas que sempre recuavam para o futuro? Será que Garrincha, Didi, Pelé e Vavá irão nos levar àquela preeminência internacional tentada, mas não conseguida por D. Pedro II, Santos Dumont, Rui Barbosa e o Barão do Rio Branco? Já disse o grande Braga que Deus às vezes escreve certo com pernas tortas — no caso as tortas e ilustres pernas de Garrincha. Agora é chutar a gol que a roseira balança, seja no esporte ou na política, ou até mesmo na competição dos teleguiados. Vai ver, qualquer hora a gente enfeza e estamos botando no céu um Sputnik verde amarelo, com Feola dentro, para ensinar futebol no espaço sideral.
Mas pondo de lado os sonhos, o fato é que a vitória na Copa do Mundo foi boa por todos os motivos. Inclusive e principalmente porque tenho a impressão de que nos libertou dos dois complexos que mais nos atrasavam a vida. O primeiro era o da mestiçagem. Ainda havia muito brasileiro tonto que, confessada ou encobertamente, acreditava que no fundo, no fundo, o nosso mal era mesmo a falta de raça, ou antes da mistura dela, e que isso de liderança, tanto em esporte como em outras coisas, só se deixou para ariano. Nós tínhamos improvisação, brilho e vários etcéteras, mas o jogo mesmo de equipe e fibra de campeão, que é o bom, isso não tínhamos. Além do mais, cadê estatura, robustez, músculos, peso e demais vantagens dos galalaus de sangue branco? E eis aí o campeonato invicto a provar de arraso que, tal como dissemos sempre, cor nunca foi nem é documento. Nem magiar , nem saxão, nem teutônico, nem gaulês pôde conosco! E toca o Hino Nacional, e depois toca um samba de telecoteco só para aborrecer!
Só tenho pena é do Hitler já ter morrido para se quebrar a castanha dele: mande para cá os seus Siegfrieds que a gente manda o Vavá e eu quero ver quem canta ópera com o balão de couro no pé!
O segundo complexo, que também espero esteja bastante superado, é o do colonialismo tupiniquim. Agora não é preciso mais ter tanto medo de que eles comprem o Brasil, evaporem o “petróleo-é-nosso”, repartam no cara ou coroa a Hiléia Amazônica ou carreguem para eles Fernando de Noronha. Brasil não se vende e não se aluga, nem com entrada, nem com fiador. Será que alguém ainda duvida de que sabemos nos defender, quer no fairplay, quer na ignorância - que é só mandar nós topamos, E o terreno pode ser qualquer um, pista de grama ou de areia?
E até mesmo uma aristocracia nova nos nasceu de repente: temos agora toda uma raça de bonapartes vitoriosos, uma recentíssima nobreza que muito nos honra, e da qual a primeira dama é sem dúvida a bela Guiomar do Didi! Conforme aliás já tem sido divulgado pela imprensa e televisão, com chancela oficial, traduzida em convite para um petit comité no paço das Laranjeiras em torno do aparelho de rádio presidencial.
E por falar essa palavra presidencial, confessemos que um dos grandes beneficiários da vitória em Estocolmo vai ser o governo que ora inaugura a sua sede em Brasília. Pode-se dizer sem exagero e pouca imaginação que a Copa do Mundo vem cheia de plasma sanguíneo até às bordas, na qual se irá abeberar, sedenta e anêmica, a turma do poder! Até ao seu último ossinho de tutano será chupado por eles o campeonato. Dirão, infalivelmente, que era ele uma das metas — embora secretíssima para não agourar. E vai ver, acabam jurando que o Feola também foi telegrafista em Leopoldina, e que nas horas de aperto, estimulava a rapaziada mandando que eles cantassem o “peixe-vivo”.
Em tempo: Boa receita pra sair campeão é pedir três elementos ao time do Vasco…