“Astro dos loucos, sol da demência,
Vaga, notâmbula aparição!
Quantos, bebendo-te a refulgência, 
Quantos por isso, sol da demência, 
Lua dos loucos, loucos estão”.

(Raimundo Corrêa)

O cachorro preto que vive no alto do morro endoideceu logo que passou a lua cheia e agora uiva e espuma na corrente como um dos sete demônios agrilhoados. A velha dona dele também parece que danou, que foi mordida pelo cão ou mordida pela lua, ninguém sabe, mas no quarto minguante a bruxa sai pelo morro, amparada no cacete, rondando os caminhos em ziguezague com a lamparina de querosene na mão. Tropeça nas pedras e nas touceiras de sapé e se dobra toda a fim de apanhar punhados de folhas que desprendem cheiro venenoso, ao sereno. Depois chega até o meio do terreiro, põe a candeia no chão, se ajoelha ao luar, e fica engrolando uma reza, e geme e bate nos beiços com as costas da mão esquerda. Enquanto isso o cachorro preto uiva sempre e a tira da lua minguante descamba por detrás do morro vizinho.

Em baixo, no vale, as galinhas se assanham e descem do poleiro, pensando que é madrugada; o galo canta, outros galos respondem e um pombo preguiçoso chega à janelinha do pombal, como um noivo à porta da alcova, e espia a fim de ver o que está acontecendo lá fora.

A lua tão branca no céu e os namorados dormindo. Nenhum passarinho canta e até mesmo poucos são os cães que ladram. Porque esta é a lua misteriosa, a lua da meia-noite, que só serve para os doidos, lua minguante da insônia e lua do amor infeliz. A lua do amor feliz nasce cedo, é a lua cheia que sobe vermelha no horizonte crepuscular e desabrocha em todo o seu esplendor ainda durante a hora em que as meninas têm licença de andar passeando na praia, de braço dado com os noivos.

A outra é a lua que só vai morrer de madrugada, e que não a festejam noivos nem rouxinóis. Não é louvada em cantigas, não preside serenatas. Só é vista pelas magnólias de cheiro doce, pelos peixes voadores, pelo bêbedo que adormeceu no bote em plena noite e acordou assustado com o banho daquela claridade branca.

Lua maléfica preside os atrasos, as desgraças, os ladrões. Durante ela é que os afogados vêm à tona e ficam boiando e girando na maré, sempre de rosto para o minguante. No seu tempo os lobisomens têm mais força, e é quase impossível matá-los, seja com lâmina benta, seja com bala de prata. Precisa esperar pela lua cheia, em que eles ficam mais loucos e mais tontos, fáceis de apanhar como uma mariposa em frente da luz.

As crianças concebidas no minguante nascem mirradas e tristes; os pintos deitados nesse quarto de lua, não têm forças para furar a casca; as sementes não brotam; e os doidos no fundo das suas celas ficam mais sombrios, ou se agarram às grades das janelas e uivam à lua, e batem a cabeça nos varões até tirar sangue.

Se por acaso quer a gente libertar-se de algum amor que nos pese, é só modelar em cera preta um coração do tamanho do nosso tão perfeito quanto possível. Depois se espera a lua minguante e se expõe aquele coração negro à lua. E a lua míngua a cera negra tal como minguará os amores, e o frio mau da noite fará daquele coração mole um duro coração de pedra. Mas é preciso enterrar o feitiço antes que a luz do sol o toque, porque o sol é poder do bem, do crescimento e da riqueza, e contradiz todos os efeitos do minguante.