Vinha numa revista: a vida particular do general Franco. A esposa amantíssima, a filha marquesa, a netinha, os palácios residenciais, o fausto, o poder, a glória. Mas o velho chacal ainda se lamenta, — pois não tem herdeiro homem que lhe perpetue a dinastia.

Quando acaba, o cinema americano e a moral corrente ensinam aos jovens que o mal sempre é castigado, que o bem acaba triunfando e o crime não compensa. Pode ser que o castigo venha no outro mundo, — para quem acredita em outro mundo. Neste não. Neste não se vê castigo, — ou, quando se vê, é exceção raríssima. A regra geral é o insolente triunfo do mal, e o bem apanhando, espezinhado, humilhado.

Está aí esse Franco. Dilacerou a Espanha com uma guerra que espantou o mundo. Correu sangue castelhano como água nos rios, o povo espanhol foi dividido por um ódio que ainda hoje não se conciliou, — tudo para que o pequeno tirano, com o seu séquito de janízaros marroquinos lá instalasse o seu reino de Inquisição e terror. Pois como é que Franco paga o seu crime, o que sofreu, e provavelmente o que sofrerá? É mais poderoso que qualquer rei, só Carlos V, talvez, tivesse tanto poder quanto ele em terras de Espanha. Considera-se uma espécie de representante de Deus na terra e, se lhe ocorre algum problema, é apenas um problema dinástico, que ele aliás pensa resolver utilizando-se de um neto de S. Luiz, de um herdeiro dos Bourbons e Afonso XIII...

E Stalin? Agora, até os correligionários dele dizem que era um monstro. Mas dizem depois que o monstro está morto. Enquanto buliu, enquanto mandou — e como bulia, e como mandava! tinha aos seus pés a adoração servil não só da Rússia, mas da metade do mundo. Era mais Deus do que Franco, um Deus vermelho e ateu. Agora lhe derrubam as estátuas, mas, em vida do camarada Stalin, quem é que ousava dizer o seu nome em vão?

Onde se vê a causa dos pequenos e dos fracos triunfar sobre a vontade e as ambições dos grandes e dos poderosos? E quando aparentemente a causa da justiça sai vencedora, vá-se ver, sempre uma falha essencial naquela vitória, — vitória que invariavelmente custa caríssimo. O fim de Hitler e Mussolini pareceu a princípio uma dura lição para os tiranos. Mas, para começo de conversa, tirano não aprende lição. É essa uma das suas forças. Matou-se Hitler, mataram Mussolini, mas não se matou nem se liquidou o espírito que os guiava, o grupo de gente mais responsável talvez do que eles pelos crimes cometidos. Esses, sutilmente escaparam na hora do julgamento e agora, ainda mais sutilmente voltam ao poder, e se reapossam do seu dinheiro, das suas fábricas, do velho prestígio, e com pouco estarão armando soldados e pregando política, se é que já não armam e não pregam e reanimam outros Hitleres e outros Mussolinis. E os cinquenta milhões de mortos na guerra e os seis milhões de judeus imolados, quem é que pune por eles, hoje em dia?

O que se vê, monotonamente, invariavelmente, é o bem abafado, murmurado, e o mal gritando, insolente, tomando conta do mundo. Quem é que ganha eleição? Já se viu o melhor ser eleito? Por que nos Estados Unidos vence um homem doente, assessorado por um bando inescrupuloso de plutocratas, e tendo como vice um jovem político do qual o melhor que se pode dizer é que é uma espécie de Jango americano? Do outro lado estava um homem como Stevenson, que seria talvez uma reencarnação de Roosevelt, e o seu colega de chapa era o incorruptível Kefauver. E então escolheram o pior.

A causa da liberdade dos povos coloniais é a marca por excelência deste século. O povo egípcio, sobrenadando na sua miséria e nas suas lágrimas, resolveu liberar-se daquela grotesca tonelada de sebo que o oprimia e o espoliava sob o nome de Faruk, e entregou-se de alma e coração a quem lhe parecia um irmão, um salvador. Mas quem é esse salvador? Um hitlerzinho de segundo time, que num acesso de megalomania arrasta a sua gente à desgraça, como se achasse que o povo egípcio tem sofrido pouco nestes seus 50 séculos de história. Por que, por que, as potências lá de cima não suscitaram para dirigir o Egito um homem realmente grande, nesta fase crucial da sua vida?

Eu podia citar o Brasil e os seus mil casos.... Mas não é preciso. Os exemplos estão aí, são tantos e tão terríveis, que, para liquidar o tema, basta se escolher um só — o maior, mais espantoso.

Nosso Senhor Jesus Cristo veio ao mundo. Pregava uma doutrina revolucionária, trazia para os homens o Novo Reino. Não era só um homem símbolo, não era um simples pregador, não era sequer um profeta: era um Deus, era o Deus em pessoa, que abria a sua boca e ensinava ao mundo as verdades eternas. Pois o mundo escutou Jesus falar, — e o mundo se converteu, e o mundo caiu de joelhos diante do estupendo milagre?

Não, o mundo aprisionou Jesus Cristo, açoitou-O, insultou-O, torturou-O e por fim O crucificou.

rachel-de-queiroz
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