Carta de leitor: “.... Por que motivo a senhora, nas suas impressões da Europa, nunca se referiu à Suíça? Chegou falando na França, Itália, Inglaterra. Mas da Suíça, nem uma palavra. Sei, entretanto, que andou por lá...”

 

Sim, andei. Para falar verdade, foi só isso mesmo que fiz: andei por lá. Atravessamos o país de trem, de um lado a outro, com paradas de alguns dias em Lugano, Berna, Genebra. Vi paisagens, paisagens, paisagens. Montanhas verdinhas, só com um algodoado de neve bem no alto. Vales e chalés, muitos rebanhos. Cidades limpas, prodigiosamente limpas. Não se descobrem mendigos nem crianças abandonadas. Um ar permanente de prosperidade e gordura. O francês que lá se fala tem sempre sotaque, ora alemão, ora italiano, ora é um simples francês “diferente”, conforme o cantão que se atravessa. De qualquer forma, a presença germânica na língua é a que mais pesa e a gente tem a impressão de que é o alemão que eles falam com mais desembaraço e espontaneidade.

Lugano: um hotel branco a cavaleiro do morro, o lindo parque, as lojas de souvenir, o lago, o funicular. Os mercados sob as arcadas na cidade baixa, os almoços ao ar livre, no jardim de velhas residências que servem como restaurantes; o regime é o do prato único e impressionante a quantidade de comida. Aliás, é sempre impressionante a quantidade de alimento que aquele pessoal ingere. Depois de vê-los comer, a gente não se pergunta mais para onde vai tanto chocolate, tanto queijo, tanta manteiga, tanto legume, tanta carne fresca que se vê nas lojas e nas feiras, ou que se vê ainda sob a forma de vacas na campina, pastando. Logo a gente compreende: eles comem tudo.

Berna: A velha e linda cidade, com sua rua central toda em arcadas, o relógio medieval com figurinhas de entremês fazendo as suas artes a todo bater de hora e o monte de basbaques da calçada, espiando. A catedral com sua portada esculpida, as estátuas de pedra na rua encarnadas em todas as cores, a cova dos ursos que são o totem da cidade, e as águas azuis do rio, tão azuis, tão desesperadamente azuis que parecem tingidas.

Em Genebra, o novo Palácio das Nações Unidas, branco, no meio do verde-escuro do arvoredo e da grama. O ex-Palácio das Nações, virado tapera, com os tetos furados, o jardim entregue ao mato. O restaurante Perle du lac, no meio de um parque municipal, e onde tem um óculo de alcance através do qual se avista o Monte Branco. Durante a nossa estada lá sucedeu um acidente sensacional: um crocodilo andava no lago. Imaginem, um crocodilo do Mississipi, com cerca de um metro de comprimento, que um menino americano pusera a nadar nas águas azuis do Léman! Viam-se nas esquinas placards de jornais anunciando em letras enormes a presença da fera naquelas águas familiares, onde até então só nadavam cisnes. E formaram-se comandos de voluntários a fim de caçar a besta. Mas até partirmos não fora ela encontrada. Talvez morresse de frio, coitado do jacaré, naquelas águas de frialdade alpina. Em Genebra também vimos uma bandinha de música com os executantes vestidos de fardas amarelas e vermelhas e barretina de borlas; a maioria deles tocava numa flautinha uma musiquinha que fazia tiri-tiri-tiri, era um canto de pássaro. Nunca mais esquecerei. E depois vimos a festa da cidade, à beira do lago (tudo, ou quase tudo ali, é à beira do lago) — espécie de carnaval moderado, com desfiles de grupos em travesti e uns cabeções de papelão representando figuras conhecidas; Chevalier, Carlito, Carmem Miranda — sim, Carmen Miranda. A popularidade da estrelíssima chega até lá. E por sinal os alto-falantes estraçalhavam uma Chiquita Bacana irreconhecível, cantada talvez em francês e em ritmo que pretendia ser de rumba. Moças corpulentas desfilavam em saiote dando passinhos de dança. Cavalheiros em traje Luís XV faziam o mesmo. Contudo não vi nenhum vestido de mulher, como aqui. Alguns com cabeça de urso e de galo. A festa era um pouco triste, apesar dos fogos de artifício; isto que a gente chama aqui de desanimada. E quando o alto-falante pensou que estava tocando Quero chorar, não tenho lágrimas, em versão americana, não aguentei o sacrilégio, fugi para o hotel.

Por toda parte, nos trens e na paisagem (era época de férias) rapazes e raparigas de calças curtas, meias de escoteiro, botas ferradas, embornal às costas, muita sarda no rosto queimado, partiam em excursão ou voltavam em excursão.

Nas vitrinas muitos relógios, belos e astuciosos, mas caros. Aliás, nos antiquários, nas livrarias, nas feiras, para os brasileiros com dinheiro de câmbio “não oficial”, tudo era caríssimo. Pagávamos o franco suíço em torno de dez cruzeiros.

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Como veem, não posso me gabar de que conheço a Suíça. Passei por lá, apenas. Comprei uma História da Suíça que li no trem, mas confesso que esqueci muita coisa. Não vê que, de Genebra, fomos diretamente para Dijon, — sabem, Dijon, a velha capital da Borgonha, a pátria de João Sem Medo, e dos melhores vinhos do mundo. E então, Dijon, vocês compreendem. Mas Dijon já é outra história.

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