Na minha terra a gente se cria sem vitaminas nem legumes. Aliás, no nosso sertão, legume significa a colheita anual de feijão e milho. Cebola, tomate, coentro, pimentão, chamam-se temperos e entram na panela com parcimônia, na mesma proporção que as especiarias: o cravo, a canela, a pimenta-do-reino. Verduras de salada são indistinta e depreciativamente classificadas de mato. Corre por lá, como o impossível acontece, que cariocas e paulistas costumam comer erva braba, tais como bredo-do-porco e beldroega. (Creio que se referem a bertalha e caruru). Cenoura, espinafre, alcachofra, aipo, beterraba etc. são desconhecidos, – pelo menos o eram, até minha saída de lá. Em certa época apareceu um japonês no mercado de Fortaleza com uma banca onde vendia algumas dessas hortaliças. Eram consideradas quase como curiosidades, e só as compravam americanos e demais marinheiros.

De modo geral, o cearense não deseja nem procura variar sua dieta. Entra ano, sai ano, o pobre come apenas feijão, com um pedaço de jabá para dar cheiro, farinha, rapadura e café. O feijão é o de corda, miudinho, fácil de cozinhar, e que sozinho dá gosto à panela, sem precisar de carne dentro. Feijão preto lá não existe. E o de arrancar ou mulatinho é repelido pela pobreza, chamado feijão de rico, pois só toma gosto a poder de muita carne-seca e muito toucinho. 

A mulher sertaneja não sabe cozinhar e, o que é pior, tem grande desprezo por essa arte venerável: por isso, permanece ainda no estágio culinário da tapuia, sua avó. As carnes preparam-se moqueadas na brasa, ou cozidas n´água e sal. Isso quando as há, de raro em raro: algum bode roubado, ou sacrificado com pena, que os rebanhos são pescaria. Galinha muito pouca, porco quase nenhum. Vaca só nas cidades, onde há matadouros e açougues. E o costume que há por aqui de comer vitela é considerado entre nós selvagem, desumano, quase um cataclismo. Iguaria apreciada é o bacalhau, ou mesmo o pirarucu seco do Amazonas – que em geral são comidos com todo sal, assados na brasa ou na cinza.

Voltando às mulheres: doces não os fabricam, nem sopas, nem guisados, nem massas. As mais habilitadas sabem fazer queijo de coalho, que é dos laticínios mais primários; ao requeijão, ou queijo de manteiga, muito poucas se abalançam. Ademais, de queijos só cuidam mulheres de fazendeiro ou de vaqueiro, e em geral o fazem ruim. A tradição do bom queijo, numa família, é motivo de orgulho e se transfere como uma herança, de mãe a filha.

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Vai por exemplo um cortador de lenha para o seu trabalho, manhã cedo. Acorda, bebe um gole de café e põe-se a andar, levando consigo o machado e o almoço. O almoço é uma cabaça d´água e um sonhim: um saquinho de pano contendo meio litro de farinha e um quarto de rapadura. Com isso o homem passa o dia, corta cinco ou seis metros cúbicos de lenha; à noite janta feijão n´água e sal, farinha e café – e dorme de barriga cheia. Verdade que no inverno, pelo fim das águas, tem ele melão, melancia, jerimum e talvez inhame. Se tem roça de maniva, planta um pouco de macaxeira entre a mandioca. 

Quando mora em fazenda de engenho, gosta de beber garapa no tempo da moagem. Mas à garapa doce, fresca e inocente, prefere sempre a garapa doida já azeda, fermentada, quase em ponto de ir para o alambique; é que a garapa doida embriaga, põe um homem tão alegre quanto a mesma cachaça.

Nas cidades, em Fortaleza, por exemplo, é esta, com poucas variantes, a alimentação da classe média: café com pão e manteiga (de lata, vinda de Minas).

Almoço: carne, arroz e macarrão cozido e passado na banha. Doce. Fruta, só banana.

Merenda: café, pão e doce. Adoramos doce: nos cafés em Fortaleza é comum pedirem salada de doce: goiabada, bananada, doce de coco e de caju servidos num prato só.

Jantar igual ao almoço precedido de sopa.

Festa é galinha ou peru recheados de farofa, muito doce, muito bolo e aluá.

Decerto há as exceções, os ricos, os viajados. Mas esses não contam, porque rico em toda parte é diferente.

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