A pior recordação que tenho do inverno em Paris é matinal. Acordei, certa manhã, sentindo o ar do quarto viciado e sujo: com as janelas fechadas ele cheirava a cigarro, a aquecimento e mofo. Mesmo prevendo uma invasão de ar gelado, abri a janela de par em par. Não importava o frio: eu queria respirar bem.

Respirei. E o que me entrou pelos pulmões foi um ar quase igualmente ruim, como se minha janela não desse para o céu, mas para um túnel da Central. Milhões de pequenas chaminés despejam no céu continuamente o fumo de tudo o que a população queima dentro de seus sobradões para aguentar o inverno. Isso combinado com as chaminés das cozinhas e das fábricas faz esse ar pesado e sujo que envolve a cidade; a neve que branqueia os campos em volta, ali, mal toca o chão, muda-se em lama ignóbil. As paredes e os telhados das casas suportam toneladas de fuligem.

Assim deixei Paris. E quando vinte e tantas horas depois desci no Rio foi com delícia que respirei, através das ruas por onde o táxi rodava lentamente, o ar de uma noite embalsamada. É preciso passar um tempo fora para sentir bem isso de que os viajantes costumam falar e que nós já nos habituamos a não sentir: esse cheiro de folha e flor, de fruta, de terra fresca, de mato e de mar que tonteia docemente o visitante da cidade tropical. São odores diversos, uns mais finos, outros mais adocicados, que a gente vai sentindo ao longo das ruas, como se o olfato atravessasse zonas de luz loura e penumbra doce — esse cheiro das tranças vegetais e da respiração das ondas que ao mesmo tempo excita e dá torpor.

Mas o táxi continuou a rodar — e de repente tivemos de tapar as narinas. Porque esta bela cidade, amigo, continua maltratada e suja. A longa e incurável incúria dos homens torna envenenado e imundo em muitos trechos, esse ar em que a natureza espalha seus feitiços. Montes de lixos nos terrenos baldios; a baía conspurcada por todas as porcarias; e mesmo as praias de mar aberto, sujas. Assim sempre foi. Agora me parece pior. Temos tido tantos administradores vaidosos que fazem isto e aquilo para erguer monumentos à própria vaidade. Precisamos de um que traga este programa simples: limpar. Essa bela mulher não precisa de joias nem sedas; precisa, antes de tudo, de ser limpa. E, para nossa vergonha e nossa tristeza, ela é, antes de tudo — suja.

rubem-braga
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