Senhor secretário da redação —
O senhor vai me desculpar, mas hoje também não posso mandar a crônica. Palavra de honra que abri a máquina e passei olhos pelos jornais do domingo, com a melhor boa vontade, para escolher um assunto. Não encontrei. Isto é assunto há muito, o que falta é o cronista. Pois a verdade, senhor secretário, é que eu estou ausente; não fora de casa nem da cidade; mas de mim mesmo; não há ausência que seja mais ausência do que esta.
Lá fora, no céu azul, sobre a copa verde da amendoeira que brilha ao sol, passa um grande avião de prata. Pelo rumo, ele vai para São Paulo. Pensei um instante comigo: eu também vou. Mas São Paulo é para mim um jardim de amizades; e ainda mais que esta semana vai muita gente daqui, para ver as corridas. Quando me dá a tristeza no Rio eu pego um avião e vou para lá e me embalo então no regaço das recordações, através das grandes noites fraternais. Não. Eu me nego essas doçuras. Nego-me essas e outras: sou um grande pobre soberbo senhor secretário, eu prometo não falar mais nisso. O público se revoltará contra o seu jornal, dizendo que então é assim: uma folha pública, alavanca do progresso, ao invés de profligar os males e erros gravíssimos da república e tratar a sério da falta de ovos e do preço da alcatra entrega uma coluna a um néscio que outra coisa não faz senão chorar suas mágoas? Será esta, acaso, a missão da imprensa? Assim neste país se exercerá o Quarto Poder?
Por isso não faço crônica hoje, senhor secretário; pois me aconteceu como ao menino que viu passarinho verde. Foi o momento mais feliz de sua vida, pois não existe mesmo na terra nem no céu, nem mesmo entre as trêmulas fantasias do fundo do mar, não existe nada tão lindo como o passarinho verde. O menino o viu na ponta de um ramo florido; e depois ele voou, como é uso dos passarinhos. Não fez o menino sequer um gesto para prendê-lo, seria louco se o fizesse, pois, o passarinho verde é tão lindo que é como se não existisse — e no fundo, senhor secretário, estou convencido de que ele não existe.
Mas a cabeça das crianças é tonta, e a ambição do homem sem fim, aquele menino, que era o mais feliz dos meninos, porque viu o passarinho verde (e só o vê quem tem olhos para vê-lo) ficou depois triste, sonhando que ele pousava em seu ombro e cantava. Ficou triste e sem nada.
Assim estou eu, sem nada, e mesmo sem querer nada, nem a ninguém. Nem mesmo ir a São Paulo: nem mesmo ver o passarinho verde outra vez, pois se não mereço vê-lo ele se transformará, aos meus olhos, em uma cambaxirra vulgar.
Adeus, senhor secretário: vou ao Sergipe, e de automóvel, com Joel Silveira e outro amigo. Joel é um companheiro de guerra: vamos comer poeira na estrada. Tomara que haja pane no motor, tomara que arrebente pneu. Vou a Sergipe, onde não conheço ninguém. Preciso ao menos castigar o corpo. A alma eu deixo por aí, entre as ruas e as nuvens, ao sabor do vento, e quem quiser (o diabo, incluso) que a carregue e bom proveito que lhe faça. Adeus, senhor secretário.