Nus, 1978. Foto de Otto Stupakoff/ Acervo Instituto Moreira Salles
Não me leve a mal, me leve a bem, se insisto numa recomendação deixada aqui na última conversa, para que se leia “Entreato chuvoso”, crônica de Otto Lara Resende sobre o verão. Não aquele, escaldante, que convoca à praia, mas o verão em que, subitamente, o mundo ameaça acabar, como tantas vezes acontece entre novembro e março. A tempestade, então, descreve Otto, “desfolha a rosa dos ventos”, enquanto “o sol se retira, agastado, para não ver esse rude espetáculo”.
O cronista saca guarda-chuva e citação: “Chove chuva choverando” – e indaga: “Quem escreveu essa bobagem?” (Delicado, provavelmente não quis dar nome aos bois, no caso ao poeta Oswald de Andrade, de quem foi amigo, nos versos de “Soidão”, deste jeito, um solidão sem L.).
Tudo somado, não faz mal que seja assim: “Friozinho bom pra ficar no borralho”, se acomoda o cronista, para “ler, pensar na bezerra que morreu, ou reler o que nunca li”. Antônio Maria saca outra benesse do tempo subitamente enfarruscado, e pede, em “Considerações sobre o sono”: “Que ao menos chova, a noite inteira, sobre o telhado dos amantes”.
Licença para voltar ao Otto, agora o de “O que diz o mar”, registro de um dia em que a cidade, em pleno verão, se mostra “encapotada como num filme policial”. O cronista vê nisso reação do mar ao fato de que ninguém lhe dá bola – nem os banhistas, aos quais só interessa “o lazer na praia”, nem os surfistas, que “já nem pedem licença para cavalgá-lo”, e muito menos as moças, que “vão lá exibir sua nudez”. Diante desse quadro, Otto hasteia bandeira amarela: “Gente, o mar não é um cãozinho doméstico que se põe no colo. Ninguém o tome por impotente. Ele está aí, vigilante, e adverte a cidade. Mais respeito, por favor. Foi o que li no nevoeiro.”
Já Paulo Mendes Campos, em “Rio de fevereiro”, acredita que na cidade “o ano efetivo tem a duração de nove meses”, “o máximo de tempo-responsável que a nossa tribo suporta”.
Como assim?
Para esclarecer, o cronista e poeta mineiro se põe a dissecar o verão carioca: se dezembro “é o mais adolescente dos meses”, pois “sem juízo, turbulento, transpirando pansexualismo”, e janeiro, “o descanso do descanso”, em fevereiro “pode acontecer de tudo” – do “calor de estrumbicar passarinho” ao “aguaceiro desatado”, das “calmarias de um amor divino” aos “emboléus de um amor infernal”. Fevereiro, diz PMC, invocando sua condição e experiência de nativo (dia 28) de um mês “torto e adoidado” que, a seu ver, “é um resumo da existência carioca: curto, sacudido, sensual, encalorado, colorido, dourado, irreal.”