O gari veio perguntar-me se já tinha sido feita a confusão da Guanabara com o estado do Rio. Em caso afirmativo, queria pedir remoção para o Arraial do Cabo, onde a vida é mais azul.
— Que é que você chama de confusão da Guanabara com o estado do Rio? — perguntei-lhe em resposta.
— Ué, juntar a confusão da Guanabara com a confusão do estado do Rio. Já tá decidido?
Informei-lhe que não, ele suspirou. É um enamorado de praias, pescarias, salinas e liberdade, bens que lhe parecem específicos do Arraial do Cabo. Onde passou um dia inesquecível e gostaria de passar o resto desta confusa vida.
Não se queixava da confusão, queria mudar de. A confusão, ao que parece, é estado natural e geral, muito antes que Machado de Assis lhe conferisse este último adjetivo.
Enquanto a (con)fusão não vem, meu gari promete sair três vezes no carnaval, em um bloco de Ramos, ao lado de 1.999 figurantes.
— E como se chama o bloco?
— Sai Como Pode.
Achei o nome estupendo, e felicitei-o. Modestamente, confessou que o título não era de sua invenção. A bem dizer, não é de ninguém. O bloco, como todos os blocos, participa das dificuldades nacionais. A verdade é que não há absolutamente tutu para criar, equipar, ensaiar e vestir um bloco. Então, como que o bloco pode sair? Sai como pode — foi voz geral. Houve um cara que propôs chamá-lo “Sai Como Não Pode”, mas a turma achou que o nome era besta. E com o minguado fundo de participação do comércio local — minguado, porém sincero — o bloco vai para a rua batizado pela modéstia de seus dois mil componentes, ele inclusive.
— Não é que eu goste de carnaval. O doutor sabe. É obrigação. E é uma forra também. No ano inteiro eu limpo a rua que os outros sujaram. Nesses três dias eu sujo para os outros limparem.
— Faltando ao serviço? Não tem medo de ficar desprevenido para o leite das crianças?
— Se eu nunca dou leite às crianças, como é que posso ficar desprevenido?
Ia chamá-lo de pai desnaturado, mas seu olhar e sua voz não eram de quem sonega alimento básico à prole. Certamente teria seus motivos que não seriam dele, e não precisavam ser expostos.
— De qualquer maneira, arriscar-se a perder o emprego, nestes tempos…
— O chefe avisou que quem não comparecer ao serviço durante o carnaval vai ser cassado, perde os direitos. Se eu não sair no bloco, os colegas também me cassam, fico sujo lá em Ramos. Que é que eu posso fazer? Vou manerar. O resto é com São Jorge, que não deixa um pobre na sucata.
Voltando à vaca fria:
— O doutor não deixe de me avisar quando sair a confusão. Quero ver por escrito, com toda a circunstância. Aí o doutor me dá uma mãozinha, falando com o doutor Negrão para me remover para o Arraial do Cabo, tá bom?
E, enquanto falava, ia varrendo minuciosamente as folhas de cobre das amendoeiras, que, em confusão, cobriam o asfalto.