Nem mais como tema literário serve ainda esse assunto de seca. Já cansou quem escreve, cansou quem lê e cansou principalmente quem o sofre. Parece mesmo que cansou o próprio Deus Nosso Senhor, pois que afinal, repetindo um gesto sucedido há exatamente um século (o último diz a tradição que foi em 1851) — contra todos os cálculos, contra todas as experiências, ultrapassando os otimismos mais alucinados, fez começar um inverno no Nordeste durante a primeira quinzena de abril.
Eu estava lá. Assisti mais uma vez à mágica transformação do deserto em jardim do paraíso. E vendo o céu escurecer bonito, depois de tantos meses de desesperança, os compadres diziam que eu lhes levara o inverno nas malas. O fato é que durante a viagem de ida, enquanto o “Constellation” da Panair voava por cima do colchão compacto de nuvens carregadas de água, me dava uma vontade desesperada de rebocá-las todas, lá para onde tanta falta faziam, levá-las como rebanho de golfinhos prisioneiros e despejá-las em cheio sobre os serrotes do Quixadá.
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Pois choveu. Encheram-se os açudes, as várzeas deram nado, os rios subiram de barreira a barreira.
Mas ninguém espere muito dos benefícios de um inverno assim tardio. Já se agradece de joelhos o pasto aparentemente garantido, o gado salvo. Mas não se espera que haja milho. Talvez feijão, desse precoce que dá em dois meses. E o algodão aguenta, provavelmente. Nada mais. Quer dizer que escaparam os bichos, mas o povo não está garantido. Mais do que nunca precisa ele — não de esmolas (que na maioria lá chegam defraudadas e minguadas de tanta passagem pelas mãos de intermediários), porém de trabalho, de ganho. As prometidas obras do governo, onde estão, quando começam? A Inspetoria de Secas tem feito muita onda — mas e os serviços? Onde os açudes, as estradas, a “revolução contra a seca” prometida nos discursos ministeriais? Por ora, tem havido muita promessa bonita, muito tropo oratório, muita viagem oficial. Mas quando é que começam a dar serviço ao povo e a lhe pagar salários por esse serviço, para que ele possa com o dinheiro ganho matar a fome e vestir-se?
Um ilustre demagogo disse certa vez, há anos, que voto não enche a barriga do povo. É verdade. Nem voto, nem promessas.
Para encher a barriga dos famintos, só mesmo leite, farinha, milho, feijão. Coisas que só entregam à gente mediante dinheiro, e o dinheiro só se ganha mediante trabalho.
Onde pois o prometido trabalho para os nordestinos?
O povo está esperando e sofrendo muito enquanto espera.