Depois de muito meditar, tomei afinal uma resolução: apelo a quem valer-me pode. E aqui vai o apelo.
O caso é, prezadíssimos leitores, que eu preciso de um telefone, preciso de um telefone, como na minha terra se diz que o cão precisa de almas. E ante embora necessidade tão extrema, não tenho a mais longínqua possibilidade de obter a incomparável máquina. Pois telefones, se os há, são para outros de mais prol que a coitada de mim.
Como, em verdade, caríssimos, iria eu arranjar empenhos para aquisição tão preciosa, se passando em revista todas as minhas possibilidades nesse terreno defrontei com uma realidade que pode chamar dramática, tratando-se de país como o nosso: não conto com um único, um chorado pistolão! Nem sequer pistolão para coisas menores quanto mais para arranjar telefone.
Bem feito. Isso é o que a gente ganha com a mania de ser jornalista independente, palmatória do mundo, eterna aliada das minorias. Fica-se nesse desamparo. Imaginem se eu fosse empregada; como me haveria de arranjar para obter promoção, aumento, ou empréstimo na Caixa Econômica? Felizmente que a falta de pistolão não me deixou sequer adquirir um emprego...
Estabelecida assim a origem do mal posso resumir dizendo que ele decorre todo do meu desejo de servir a Vossas Mercês, meus leitores e meus amos, de só lhes falar a verdade, a pura verdade, nada mais que a verdade. Caberia aqui citar a frase do grande Afonso de Albuquerque: “Mal com o rei por causa dos homens...”. Para citá-la, entretanto, careceria eu mais que nunca do telefone, pois confesso ignorar se a frase foi mesmo dita por Afonso de Albuquerque. Tivesse eu o falante instrumento e logo recorreria através do fio, por exemplo, ao meu mestre e amigo Otávio Tarquínio de Sousa. E Tarquínio, o Sabedor, com uma só palavra me esclareceria a dúvida. Vocês então se regalariam em sossego com o dito do herói, poderiam mesmo usá-lo, havendo ocasião, certos de que passavam adiante moeda de ouro leal.
E se eu estiver um dia em casa, sozinha, e de repente me der uma dor? Morro sem meio de chamar a Assistência para me botar a vela na mão e me injetar a ampola final de óleo canforado. Vocês só vão dar por minha falta quando na semana seguinte aparecer nome estrangeiro nesta nossa última página.
O auxílio do repórter amador que, como se sabe, é o braço direito do jornalista, a mim me é vedado. Nomeou-se o Beijo, caiu Getúlio, subiu Linhares, pensam que eu na mesma hora soube? Pois sim! Não me lembrasse à noite de ligar o rádio. Podem os constituintes brilhar na Assembleia como a estrela da tarde; eu só vou saber o que houve no dia seguinte, se os jornais tiverem a bondade de contar. Se eu contar que o sumiço do Hitler foi a mesma agonia: todo o mundo sabendo, todo o mundo, menos eu.
Até o trote. Sim, até mesmo o democrático direito de dar e levar trote, comigo não funciona.
Enfim, caiu a ditadura, o Rio está cheio de deputado e senador, mas para mim o sol da democracia ainda não nasceu. Continuo segregada nas trevas, que jornalista sem telefone é como um país sem parlamento.
Suponhamos que uma ressaca furiosa açoite a baía e os calhambeques da Cantareira não se aventurem no mar tormentoso que separa a ilha do continente. Como hei de mandar aos nossos patrões do Cruzeiro a minha matéria da semana? Mas tivesse eu telefone, quão belo seria sentar-me junto ao aparelho e transmitir majestosamente a crônica; do outro lado, na redação, a datilógrafa diligente ia copiando, copiando... impressa a crônica teria no cabeçalho a anotação: “pelo telefone”. Até parecia coisa de redator-chefe, ou de dono da revista.
Porém, hélas, não tenho telefone. E o aparelho que me fica mais ao alcance é o da quitanda. Vocês concebem o quadro: ― a ressaca rugindo, a fila do tomate estrilando, e eu ditando literatura? Aliás, nem convém pensar nisso que o quitandeiro deixava.
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Leitor de prestígio, leitor dos pistolões, o telefone que lhe imploro nem automático é. É um desses telefoninhos de manivela ao lado, rudimentar, fanhoso, precário, preso à telefonista como a criança de colo à saia de sua mãe.
Aviso mais que não peço absurdo, pois estou na fila da Light há bem um ano.
Nos seus poderes, ó raro, ó precioso, confio portanto e espero. E já que estou em maré de citações, termino citando Garret: “Tendo eu fé e esperança, havereis caridade para comigo”?