Como é que vão-se chamar agora os cariocas? Guanabarinos, guanabarenses? Manuel Bandeira sugeriu guanabaresco, o que, pelo menos, soa mais gordo, mais gostoso. Mas a verdade é que tudo isso não tem importância, as especulações não saem do terreno da brincadeira, pois ninguém vai se chamar guanabara-isto nem aquilo, vai-se continuar é carioca mesmo.

Não vê, toda essa história de estado da Guanabara é pura ficção política, sem pé na realidade. Se a cidade do Rio continua, sem se dividir em municípios, se o novel estado tem os mesmos limites da cidade — em que um se diferencia do outro? Tratar-se-á de um caso de dupla personalidade geográfica e política? Em determinadas horas, este território, situado dentro de tais limites a norte-sul-leste-oeste, é o estado federado da Guanabara. Em outras horas, este mesmo território, dentro dos mesmíssimos limites, é a cidade do Rio de Janeiro, capital do acima referido estado da Guanabara. Não parece muito esotérico? Quem é que regula o horário, e quando é que se é cidade ou estado? Por quê? A bem de quê? Como é que se entende a cidade ser capital de si mesma, uma vez que a “pessoa física” de ambos é igualmente a mesma?

E o governo? Estado tem governador, cidade tem prefeito. Vão os dois governar a mesma coisa? Idêntica confusão se estabelece entre Assembleia Estadual e Câmara Municipal. Não foi à toa que os nossos edis, muito vivos, que eles são, já se promoveram a deputados. Mas quem vai ser vereador? Quem já viu cidade sem vereança? E município? Sim, é bom lembrar. Ainda surge na história uma terceira personalidade, pedindo vez: o município. É estado, cidade, município, tudo numa coisa só. Se não fosse falta de respeito, dava para se comparar com a Santíssima Trindade. Três entidades distintas e um só Rio verdadeiro...

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O sensato, o lógico, o politicamente certo, era ter-se feito a fusão com o estado do Rio, do qual, afinal de contas, o antigo Distrito Federal era parte integrante, antes de tornar-se município neutro. Voltava a cabeça a integrar-se no corpo mutilado, e a Velha Província, readquirindo o que era seu, só assim teria oportunidade de se curar de todas as anomalias que a afligem. Como por exemplo, essa sua capital em Niterói, pessimamente colocada em relação àquela grande porção do seu território que fica para as bandas de cá. A tal ponto que os habitantes do lado de lá da baía só se podem dirigir à zona serrana do seu estado atravessando território “estrangeiro” — no caso o estado da Guanabara. Se o governador fluminense quer ir do Ingá ao Itaboraí, tem que andar por terra alheia, a menos que se submeta a fazer o circuito da baía, o que não é sensato. Se a polícia fluminense precisa trazer para Niterói um preso de Petrópolis ou de Caxias, tem que pedir passagens às autoridades do Rio; assim também se dá com o trânsito de veículos que transportam mercadorias, caminhões com gêneros, etc. Todos têm que fazer a travessia interestadual, arcando com a sobrecarga de impostos e taxas que isso acarreta. Ainda ontem me contava um amigo que uma caixa de chuchus, com 25 kg, é paga, na serra, por 15 cruzeiros. E esse chuchu, aqui no Rio, é vendido a 18 cruzeiros o quilo. Quer dizer que aquela mesma caixa de chuchus, que no Estado do Rio custa 15 cruzeiros, aqui na cidade é vendida por 450 cruzeiros, ou seja, exatamente por 30 vezes mais. E o vendedor, para explicar esse aumento espantoso, que é que alega? Transporte, em primeiro lugar. Porém, mais do que do transporte, queixa-se ele dos impostos e taxas que paga, tanto no estado do Rio como aqui.

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Outra imensa vantagem da fusão seria a política do Rio de Janeiro sair do baixo nível que (não se lhe sabe bem a causa ou as causas) sempre caracterizou a política do velho D. F. Homens da categoria de um Prado Kelly, de um Raul Fernandes, de um Edmundo Macedo Soares passariam a se integrar igualmente na política carioca, saindo dos limites eleitorais de Vassouras ou de Paraíba do Sul! Mas justamente me parece que essa possibilidade foi um grande susto para os “donos” da Velhacap; e foram eles que exigiram que se organizasse o fictício estado da Guanabara, a fim de não perderem as deputanças, as três senatórias, que desapareceriam com a reintegração no estado do Rio.

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Sei que há pessoas honestas e bem informadas, as quais, por motivos que lhes parecem importantes, são contra a fusão. Nesse caso, pergunto: por que então não dar ao Rio o estatuto de cidade-livre, que é realmente o que ela fica sendo? Para que inventar esse imaginário estado da Guanabara, que em verdade só existirá no papel, já que a cidade não mudou nem sofreu qualquer outra alteração?

São os mistérios da política. Será esse um limpo mistério? Ninguém acredita muito. O que nos parece a todos é (pedindo um dito à sabedoria dos mineiros, nesta era de mineiros triunfantes) o que nos parece é que há torresmo debaixo do angu...

rachel-de-queiroz
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