Do primeiro dia ao último, sempre essa ilusão, esse engano: você pensa que está vivendo – qual! – e todo o tempo você está morrendo. Ninguém vive, todo mundo apenas morre. Acontece somente que o processo de morrer é lento, e a esse acabar-se devagarinho é que os homens chamam de viver. Nasce um menino, por exemplo. Veio roxo e mudo, é um pequeno defunto maltratado. O médico faz as manipulações clássicas, cabeça para baixo, palmada, ar no pulmão – o menino solta um grito agudo e dilacerante e o pai sorri, deslumbrado: "Meu filho está vivendo, começou a viver!" Viver nada, seu idiota, seu filho começou foi a morrer. Sim, desde aquele primeiro instante. Porque vida é um processo negativo, enquanto a morte é que é o processo positivo. Viver é andar para trás, é ceder terreno, é assim como um perde-ganha. A gente faz a conta da idade; quantos anos já viveu? Para que essa conta, senão por um único motivo: para fazer o cálculo provável do quanto ainda nos resta, antes de morrer. A cada ano, a cada dia, a cada hora e minuto, você tem menos vida dentro de si: menos coração, menos veia, menos músculo, menos reserva de fonte de energia. Viver, para resumir, é usar-se. Lanterna de bolso, com a pilha que não se substitui. Acabou-se a pilha, acabou-se tudo, joga fora o casco inútil, que luz não sai mais dali.

E assim, portanto, não adianta ambição. Você trabalhando por um lado, a morte trabalhando pelo outro, são como duas cobras que se mordem pela cauda. Você se agitando, cuidando que está construindo, enquanto ela, silenciosa, rói sem parar, a estrutura interna, deixando apenas a ilusão da superestrutura: mas é oca, já não tem nada dentro. Você compra, vende, aprende alemão, constrói casa própria e faz ginástica. Tudo isso a serviço de quem se supõe vivo – pelo menos por um prazo; como se o relógio parasse para você gozar um momento a paisagem e o ar bom! Porém, na verdade, você desde o começo é um meio-morto, que aos poucos vai se entregando – todo dia um pedacinho, até a entrega definitiva.

E depois não adianta orgulho. Você ergue a voz, mas sabe por acaso com o que conta para apoiar a sua arrogância? Talvez na sua caixa do peito só reste um fole vazio. Seu passo é firme, agora, mas pode estar cambaleando dentro de dez minutos. Sabe, talvez você há anos esteja se mantendo de pé apenas por autossugestão.

E escute mais: nem o pudor adianta. Esse ciúme de si mesmo que muitos pensam que é virtude, essa valorização da carne viva, esse mistério, que nem aos olhos amantes se desvenda total, essa fração de corpo secreta e triste que todos escondemos até de nossa própria vista, talvez hoje, talvez daqui a pouco, seja tirada ao seu controle, entregue às mãos dos outros, exposta, manipulada, retratada. E aí, de que serviram tantos anos de recato? Para chegar a tal exibição?

E então para que todo o esforço? Para que glorificar o que é um simples processo de desgaste e enfeitá-lo com paixões, conquistas e esperanças? Se viver é a própria negação da vida, ou a sua destruição, para que sofrer e lutar, enfrentando esse duro caminho que não leva a lugar nenhum? É como nadar de terra para o mar alto. Adiante não há mais nada, só água funda, oceano. Terra não há, nem ilha, nem nova praia; só a água funda, comedeira. Então que loucura é essa de oferecer o peito à vaga, furar a rebentação, cortar a água com os braços? Por mais que se esforce o nadador, mais hora menos hora terá que parar, exausto, mergulhando de vez na onda amarga. Digam, digam para que deixar a praia, se há a certeza de que nada espera o nadador, nada, senão a asfixia final?

rachel-de-queiroz
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