Travestis no Carnaval. Foto de Maureen Bisilliat/ Acervo Instituto Moreira Salles
Não há quem não guarde alguma lembrança de Carnaval, tenha ele se passado na alucinação de Momo, enredado em serpentina e salpicado de confete, ou no silêncio espesso de um retiro espiritual (que, aliás, não deixa de ser uma forma negativa de sublinhar três dias de paganismo à solta.)
Rubem Braga, por exemplo, numa de suas crônicas sob o título “De São Paulo”, haverá de se lembrar, em fevereiro de 1951, de um vivido na capital paulista, “chocho carnaval de sempre”, para cuja pasmaceira lhe parecia existir o solitário consolo de umas “noites frescas”. O que diria hoje o velho Braga ante das folganças momescas de uma Pauliceia a cada ano mais desvairada?
Já Paulo Mendes Campos conservou, qual cicatriz na alma, o trauma de um baile, aos 3 ou 4 anos de idade, no interior de Minas, durante o qual, entre sorrisos, uma folgada lhe surrupiou aquilo que dará título a uma crônica antológica – “Um saco de confete” –, aveludada violência para a qual o menininho buscou compensação numa espantosa vingança, praticada contra quem nada tinha com o malfeito.
Também Antônio Maria, em “Carnaval antigo”, foi garimpar na infância os ecos de folias carnavalescas tão impacientes que já na noite de Natal se esparramavam pelas ruas do Recife. “Aquilo que fazia a beleza do carnaval pernambucano”, Maria rememora, “era a revolta – revolta e pavor –, porque só de amor, por amor, se cometem os atos de rebeldia.”
Quanto a Rachel de Queiroz, ela colheu nas ruas e salões material de nostalgia, destilado em “Carnaval”, e também de reflexão: em “Carnaval e cinzas”, a escritora cearense sustenta que se trata de “festa de duas classes apenas”, a dos pobres e a dos ricos, pouco restando à espremida classe média, da qual faz parte, senão pegar carona numa dessas alas. Em “Ressaca de Quaresma”, Rachel levanta divertida lebre: “O Carnaval já não foi inventado expressamente como preparativo da Quaresma, fornecendo ao fiel o pecado, para que ele tenha do que se arrepender?”
Em meio ao repicar dos tamborins, caiba aqui, fantasiada de post scriptum, uma recomendação para que se leia, de Clarice Lispector, “O primeiro livro de cada uma de minhas vidas”. Vai se saber ali que raras leituras, na meninice, lhe trouxeram alegria como Reinações de Narizinho. Leia-se a crônica, e também se (re)visite o clássico de Monteiro Lobato; mas, por favor, na versão original, nunca nas adaptadas – falemos claro: adulteradas – em nome do politicamente correto, até porque, nessas, a Narizinho já não reina como aquela que encantou gerações e gerações de leitores brasileiros.