Kô Ohara, mulher de Haruo Ohara. Londrina, PR, 1971. Foto de Haruo Ohara/ Acervo Instituto Moreira Salles
Houve um tempo em que a velhice parecia vir mais cedo. Mal saídos da juventude, homens e mulheres (eles, em especial) se rendiam, quase sempre sem muita resistência, a costumes – em mais de um sentido da palavra – severos e engravatados. De “moço” e “moça”, passavam, bruscamente, a irremediáveis “senhor” e “senhora”. Desse processo, ninguém escapava. Mas Rubem Braga, convenhamos, exagerava, ao assumir-se como “o velho Braga” antes que lhe viesse o primeiro fio de cabelo branco.
Fazia parte, quem sabe, de seu charme. “Ultimamente têm passado muitos anos”, constatou ele aos 32, em “A companhia dos amigos”, crônica de que se vai falar aqui em outra ocasião, mas que, deliciosa, recomenda-se (re)ler o quanto antes. A frase é tão boa que Rubem, ao republicar o texto (com cortes, infelizmente), em 1982, promoveu-a a título. Em 1957, aos 44, haverá de clamar na chave de ouro de "Ao espelho", um de seus raros sonetos: "Oh Braga envelhecido, envilecido."
Um dos encantos do velho e sempre novo Braga estava exatamente na reiteração de uma senectude precoce – da qual fala, com doce e sedutora melancolia, em “O retrato”, sobre uma pintora dada a registrar, em autorretratos, a passagem do tempo. Ou em “O senhor”, onde ensaia protesto ante alguém que lhe pespegou o sépia desse tratamento cruel: senhor não é, reage ele, “de nada nem de ninguém”.
Menos conformada ainda é Rachel de Queiroz, que, aos 85 anos, esperneia contra piedosos eufemismos do tipo “terceira idade”. Sem meias palavras, ela diz tudo no título de uma crônica “Não aconselho envelhecer”. Em outra, “De armas na mão pela liberdade”, não esconde sua solidariedade com a senhora gaúcha que, sentindo-se condenada por gente mais jovem à clausura de uma chatíssima vida de idosa, se mune de dois “trezoitões” para defender seu direito de ir e vir. “A primeira condição para o velho não se sentir tão velho é deixá-lo sentir-se livre”, sustenta a octogenária Rachel com veemência de moça.
Já Paulo Mendes Campos não tem ainda 30 anos quando, no centro do Rio de Janeiro, captura em crônica – “Era um bonde cheio” – o drama miúdo, porém tocante, de um idoso que, sem camisa, e embriagado, se vê convertido em problema no veículo em que viaja.
É da mesma safra do jovem PMC uma delicada comparação entre cemitérios brasileiros e alguns que ele conheceu na Europa. “Pisando o cemitério de nossa terra”, diz o cronista em “Depois de ir” –, “estremecemos um pouco”, pois “ele nos pertence, nós pertencemos a ele”. Diferente, descobre, de um cemitério estrangeiro, onde, por nossa condição de forasteiros, “esquecemos a morte.” Nos de Paris, onde viveu um tempo na década de 1940, impressionou-o a quantidade de velhos sentados nos bancos. “Observei-os com a curiosidade meio maníaca que tenho pelos velhos”, conta. “Nunca falam entre si, devem conversar apenas com a própria morte.”
Ao contrário de Rachel de Queiroz, Otto Lara Resende não esperneia ante o processo de envelhecimento. “Se não é desejável, a velhice é fatal”, rende-se ele em “Vigor e sabedoria” – e, com graça, lembra que “a única alternativa é sinistra”. Para o cronista mineiro, “achar interesse e graça na vida ajuda”, visto que “velhice azeda ou ressentida é de amargar.”
Com igual leveza, volta ao assunto em “A velhice do bebê”, e lança um olhar para o que nos espera a todos no extremo do percurso, seja ele longo ou breve. “Soou a hora, ninguém escapa”, diz Otto. “Justiça se lhe faça, a Indesejada é democrática. Nenhuma exceção.” A vida, registrou ele nessa crônica de 17 de outubro de 1992, “é uma sucessão de ciladas”. No seu caso, a maior delas o espreitava pouco mais de dois meses depois, quando um suposto erro médico levou, aos 70, quem irradiava pique para emplacar o dobro disso.