Ciro na cachoeira, 1959 circa. Foto de Haruo Ohara/ Acervo Instituto Moreira Salles
Ninguém vai pedir a você que esqueça os outros craques deste Portal, claro que não – mas vamos, desta vez, estender um tapetinho vermelho exclusivo, só para Fernando Sabino, um dos maiores nomes da chamada fase de ouro da crônica brasileira, a partir de agora incorporado ao nosso time.
Com ele, mestre sobretudo na arte da prosa bem-humorada, chega um punhado de histórias deliciosas.
A começar por “O homem nu”, provavelmente a crônica mais conhecida de Sabino, não apenas lida e relida há mais de meio século, sem uma ruga sequer, como também levada ao cinema, com Paulo José no papel-título. E, já que temos um homem despido, cuidemos de providenciar para ele uma parceira, embora em situação oposta, “A mulher vestida”. Para concluir qual das duas crônicas é a mais divertida, o jeito é xeretar a intimidade desse improvável casal, com muito prazer e sem qualquer constrangimento.
Qualquer que seja a sua escolha, aceite o desafio de depois contar para alguém a história lida. Prepare-se para fracassar, pois a graça das histórias contadas por Sabino depende de cada uma das palavras que ele pôs no papel, e do engenho com que as pôs ali. Ou seja: tão ou mais interessante que o enredo é a forma como ele é contado. E disto sabemos todos: quando, num texto, a palavra não é apenas um meio de contar, estamos diante de um objeto de arte – constatação capaz de infelicitar o pessoal de nariz empinado para quem uma crônica não merece ser reconhecida como literatura.
Não só merece, como costuma dar um baita trabalho a quem a faça para valer. É o que nos vem lembrar o próprio Sabino em “O estranho ofício de escrever”, título talvez um pouco sisudo para uma crônica a que não faltam boas doses de humor irresistível. Não se tratará de spoiler se a gente adiantar aqui que se trata de contar as agruras e peripécias de Sabino e outros dois escribas de alto quilate, ambos à disposição em nosso Portal – Rubem Braga e Paulo Mendes Campos –, ao tempo em que cada um deles, na década de 1950, vivia o tormento de desovar uma crônica por dia. Nem desconfiava disso quem os lia, com imenso gosto, em três jornais do Rio de Janeiro.
Você vai encontrar aqui também um Fernando Sabino inigualável na arte de flagrar situações absurdas de que o nosso dia a dia está cheio, e que só um artista dos bons conseguiria recriar por escrito. Se você ainda não conhece bem esse filão sabiniano, aceite a sugestão de entrar nele por, digamos, “O agrônomo suíço”, crônica dessas capazes de atear risadas em que as leia pela enésima vez, como se fosse a primeira.
Mas não se vá pensar que a arte deste cronista graúdo se resume à capacidade de fazer rir. Fernando Sabino foi também um fino observador do espetáculo humano, nos meandros em que ele seja de molde a suscitar, não gargalhadas, mas sorrisos, ou sentimentos ainda mais delicados, como a ternura sem pieguice de que se tece, por exemplo, “Homem olhando o mar” – preciosa criação que, para além da preocupação por vezes ociosa em classificar os gêneros literários, se lê (e se ouve, gravada aqui para você) indiferentemente como crônica ou conto, sem que se perca um grão de seu poder de encantamento.