Com serenidade e ceticismo – e paciência...

Ensaio de moda, Pirineus, s.d. Foto de Otto Stupakoff/ Acervo Instituto Moreira Salles

Como tantos de nós, Rubem Braga decididamente não morria de entusiasmo pelas festas de final de ano, quando menos por aquilo que elas costumam ter de alegria compulsória. Na sua deliciosa rabugice, o Sabiá da Crônica se permitia, em tais ocasiões, externar – por escrito, inclusive – uma quota de antipatia pelo inelutável vagalhão festeiro que a todos ameaça arrastar quando dezembro vai chegando ao fim.

Em “O menino”, por exemplo, de 1952, o Braga admitiu que, para ele e demais “inquietos” e “desorganizados”, as festas de Natal e Ano Novo, longe de serem um prazer, acabam sendo “mais uma providência a tomar”. Na mesma ocasião, classificou de “louco” o fato de “receber votos de feliz Natal e grandioso Ano Bom” da parte não de gente de carne e osso, mas de impessoais pessoas jurídicas. Não surpreende, assim, que em “Fim de ano” o cronista abra mão de confraternizações para estar “sozinho, numa confortável melancolia, na casa quieta e cômoda”. Antes disso, em “1951”, admitiu que pouco mais fizera “do que envelhecer”, naquele ano em que andou abusando da alma e do fígado. Apesar disso, anunciou disposição para encarar “de cabeça erguida e copo na mão” o ano que iria começar.

Vai pela mesma picada sua colega Rachel de Queiroz, quando, em “Ano Mau”, recomenda ao leitor abordar os próximos 365 dias com “um otimismo ingênuo”, além de alguma “serenidade e ceticismo”. Noutro fecho de dezembro, a cronista se mostra ainda menos confiante: “Não me atrevo a pedir venturas nem prosperidades”, escreve em “Um ano de menos” – e resume suas expectativas: “Peço apenas uma coisa: paciência”.

Rachel não estará mais animada em “Remate de ano”, ao constatar que o declinante 1955 deixara “muitas angústias, mormente angústias cívicas” nos brasileiros que, “noite após noite”, estiveram “agarrados ao rádio, escutando e conjeturando”. Aquele foi, de fato, um ano conturbado num país que fecharia dezembro contabilizando nada menos de três presidentes da República (Café Filho, Carlos Luz e Nereu Ramos). No momento em que escreveu essa crônica, que seria publicada na revista O Cruzeiro em 12 de novembro de 1955, Rachel não poderia saber que no dia 11 um “contragolpe preventivo” viria desarmar uma tentativa palaciana de direita para impedir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek. Por pouco 1964 não aconteceu em 1955.

Otto Lara Resende, que se saiba, não chegou a formular por escrito algum propósito para um ano novo. Mas foi num final de dezembro que, passando férias em Angra dos Reis, ele de repente se deu conta de uma prosaica novidade não programada em sua vida: pela primeira vez, conta em “Outra fachada”, deixara de fazer a barba – a qual, alvíssima, haveria de prosperar até julho, quando, a pedido da mãe e da filha caçula, foi posta abaixo pela navalha.

Se não fez planos, em duas oportunidades o cronista mineiro refletiu sobre o que de ilusório pode haver nas juras e promessas de fim de ano. “O sentimento convencional assinalado no calendário” – observou ele em “O mundo precisa de gente feliz” – “tende a se esvaziar e vem a ser apenas convenção.” Nos primeiros dias do ano que seria o último de sua vida, deixou em “É proibido sonhar a bordo de 1992” um desalentado esforço de esperança: “A despeito de todo pessimismo, abre-se por um momento diante de nós um arco que, partindo a realidade, só tem compromisso com a fantasia.”

Não muito diferente, aliás, do que escreveu Antônio Maria na nunca assaz citada “Canção de fim de ano”, digna de revisita em qualquer estação ou mês. Depois de pingar reflexões banhadas em melancolia, o cronista pernambucano assim arrematou esse belo palmo de prosa, datado de meados de dezembro de 1956: “É esta uma simples canção de fim de ano. Escrevi-a, confessando-me e comprometendo-me em cada uma das minhas pequenas descobertas. Se não atingi, rondei mais das vezes a insolente verdade dos homens e das coisas.”