Crianças da escola Waldorf, São Paulo, 1957 circa. Foto de Alice Brill. Coleção Alice Brill/ IMS
Já marmanjo, na casa dos 30, Paulo Mendes Campos caiu em cima de um tesouro que o acaso devolvera a suas mãos: seu diário de garoto, escrito em 1935, ao tempo em que, aluno da 2ª série do ginasial, ele vivia os rigores de um colégio interno – o temível Dom Bosco, dos padres salesianos, em Cachoeira do Campo, Minas Gerais. Era um pouco por castigo que ali estava, desde o ano anterior, por ter sido reprovado na 1ª série. Na áspera solidão do internato, lhe parecia estar – dirá ele na crônica “Quando voltei ao colégio” – o absurdo de expiar “crime futuro”.
O diário recuperado rendeu outra crônica, sem título, publicada em 1954 na coluna de PMC no Diário Carioca. Ao incluí-la em livro, bem mais tarde, batizou o texto (“Diário de um colegial”), mas o que aqui se pode ler, “O ano é de 1935...”, tem o charme da fisionomia original, no recorte do jornal que a estampou ainda quente.
Ao transcrever suas anotações de adolescente, o cronista fala em “ternura diante dessa criança já desconhecida”. Conta ter sido o autor do solitário gol – ou melhor, “goal” – numa partida entre os internos. Sobretudo conta os dias que faltam para “sair da gaiola”, à qual esteve confinado por três anos, e da qual saiu ferido para sempre. “A saudade à hora do crepúsculo estragou-me todos os outros crepúsculos”, lamentará ele no poema autobiográfico “Fragmentos em prosa”. Chegou, revela nesse poema, a levar tapa na cara. Ainda assim, esteve longe de poder dizer, como Ivan Lessa em “Ao professor, com pêsames”: “Todos os professores que eu tive desejavam a minha morte”.
Bem mais distendido era o panorama que esperava PMC no Ginásio Santo Antônio, de São João del Rei, para onde os pais o transferiram em 1937. Entre outros ganhos, ali veio a entabular uma de suas amizades de vida inteira, com Otto Lara Resende, nativo da cidade e aluno de outro colégio. Foi Paulo – credita Otto em “O jovem poeta setentão”, crônica de fevereiro de 1992, quando o amigo, falecido meses antes, estaria chegando a essa idade – quem lhe apresentou outra companhia para sempre: o uísque. Da marca White Horse, precisa ele.
Antônio Maria é outro que poderia ter guardado más lembranças de seu tempo de estudante, no Recife. “Menino só sabe que é feio, no colégio, quando o padre escolhe os que vão ajudar à missa”, ensina ele em “A mesa do café”. A cruel revelação lhe veio aos 7 anos, no Colégio Marista – mas o rejeitado deu de ombros: quais seriam, afinal, os limites entre a beleza e a feiura? Além do mais, a avaliação estética o livrou “dos tributos que teria de pagar, se fosse bonito, ajudando missa e saindo de anjo à frente das procissões”.
Quanto a Rachel de Queiroz, terá levado do Colégio Imaculada Conceição, no Ceará, poucas lembranças mais doces do que aquelas desfiadas na crônica “Ma Soeur”, dedicada a certa Irmã Maria. “Nunca a igreja militante contou com soldado mais entusiástico”, escreveu a ex-aluna. “Fez-se religiosa não por estático amor de Deus, mas por amor ativo; não por renúncia, mas por heroísmo”.
Já Rubem Braga, em “A minha glória literária”, não se sentiu motivado a nos contar quem foi o professor de português que, no Colégio Pedro Palácios, de Cachoeiro de Itapemirim, por duas vezes o cobriu de louros, na condição de autor da melhor composição da classe – e que na terceira o fez despencar do 10 ao 5, sob gargalhadas da turma, reduzindo a pó a glória literária do moleque Rubem Braga.