BR-369 - Rodovia Melo Peixoto, Londrina-PR, 1958. Foto de Haruo Ohara/ Acervo Instituto Moreira Salles.
Sei que ainda temos chão pela frente, mas dezembro é um mês tão atípico, com tantas aspirações próprias, que não faz mal deixá-lo de fora da retrospectiva de leitura que preparamos para fechar o ano. De fato, com tanta gente viajando, festejando e descansando por festejar demais, sobra pouco tempo para ler crônicas na internet.
Comecemos a retrospectiva de 2024 pelas páginas dos autores – aquelas com o perfil biográfico e a linha cronológica, disponíveis ao clique nas caricaturas reunidas aqui. Dos cinco perfis mais visitados, em primeiro lugar está Rubem Braga, o que não causa espanto algum, visto se tratar do mais importante cronista do país. Na sequência, João do Rio experimentou um merecido momento de glória com a homenagem da Festa Literária Internacional de Paraty. Depois vieram, pela ordem, Fernando Sabino, Antônio Maria e Rachel de Queiroz. Interessante notar como os cinco cronistas mais procurados têm estilos e olhares diferentes, vindos cada qual de um canto. Braga é natural de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo. João do Rio é carioca. Sabino, mineiro de Belo Horizonte. Maria é filho do Recife e Rachel vem da capital do Ceará.
Mas a primeira das 10 crônicas mais lidas de 2024, curiosamente, não é de nenhum dos escritores mais acessados, e sim de Clarice Lispector. É dela a maravilhosa “Das vantagens de ser bobo”, publicada originalmente em setembro de 1970. Mais de 50 anos depois, tendo vencido a suposta efemeridade do gênero, segue sendo lida, relida e celebrada como lição de vida: “O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem”, diz uma de suas pílulas filosóficas de fina sabedoria.
Depois, vêm dois mineiros quase empatados. Fernando Sabino com “O homem nu” e Paulo Mendes Campos com “O amor acaba”. Ambas as crônicas dão título a livros e se tornaram logo clássicos absolutos. A de Sabino já rendeu até filme – ou melhor, dois: um de Roberto Santos, de 1968, e uma refilmagem de Hugo Carvana, de 1997. A de Paulo não virou cinema, vai ver pela dificuldade de filmar o seu sopro lírico e existencial, mas já nutriu canções e poemas por aí afora.
Na sequência, aparecem duas crônicas mais ou menos aparentadas, talvez primas de segundo grau: “A velha contrabandista”, de Stanislaw Ponte Preta, e “Conversinha mineira”, de Fernando Sabino, são espécimes exemplares da crônica de causo. Trazem a essência da conversa furada e do espírito anedótico, com situações insuspeitas brotando de personagens do dia a dia, como a simpática “velhinha que sabia andar de lambreta” e o mineiro inocente.
Segue-se, então, uma trinca de crônicas mais redondas, digamos, nos moldes do que se convencionou chamar de “crônica moderna”, que realça uma experiência do cronista com a qual todos nos conectamos, numa espécie de epifania compartilhada. São crônicas de observação, de memória. É o caso de “Banhos de mar”, de Clarice Lispector, “Vista cansada”, de Otto Lara Resende e “O padeiro”, de Rubem Braga.
Por fim, Clarice aparece de novo com “Medo da eternidade”, sobre o momento em que, ainda criança, se deu conta da finitude da vida enquanto mascava chicletes. E, fechando o top 10 de 2024, outra vez Paulo Mendes Campos, com “Para Maria da Graça”, uma crônica dedicada a uma jovem debutante, com recomendações a respeito do livro que o cronista lhe oferecia como presente de aniversário: Alice no país das maravilhas, “um simples manual, em linguagem direta, do sentido evidente de todas as coisas”.
Na categoria de crônicas mais lidas, portanto, Clarice Lispector marcou três pontos, seguida de Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos, empatados com dois. Rubem Braga, Otto Lara Resende e Stanislaw Ponte Preta dividem o terceiro lugar do pódio, com um ponto cada.
É provável que os leitores do Portal tenham sua própria listinha de crônicas preferidas. Se fosse possível, pediríamos que enviassem cartas à redação, como se fazia antigamente, com suas preferências relacionadas – e, é claro, seus palpites & pitacos para a retrospectiva de 2025.