Quem viu a banda passar

Chico Buarque - capa do LP "Chico Buarque de Hollanda-volume 2º", Rio de Janeiro-RJ, 1967. Foto de David Zingg/ Acervo Instituto Moreira Salles.

Não se falava de outra coisa na cidade de São Paulo em agosto de 1966: todos tinham um palpite sobre quem venceria o II Festival de Música Brasileira da TV Record. Das mais de duas mil composições inscritas, duas eram as favoritas para disputar aquela final: “A banda”, de Chico Buarque, e “Disparada”, de Geraldo Vandré e Theo de Barros. A comoção, é claro, foi nacional. Mas na capital paulista, mais precisamente no palco do Teatro Record da Consolação, o fervor era comparável a uma decisão de futebol.

De um lado, Chico Buarque, com sua marchinha bucólica cantando coisas de amor. Quem a defendeu foi Nara Leão, acompanhada de um sonoro conjunto de coreto. Como a voz de Nara foi engolida pelo estardalhaço dos metais, os produtores do festival pediram que Chico apresentasse a música antes, só com seu violão, para que o público compreendesse a letra. Do outro lado, Vandré e Barros, com sua telúrica parceria de uma força agreste que pode não te agradar. A interpretação ficou a cargo de Jair Rodrigues, amparado pelo Trio Novo e pelo Trio Marayá, que estalavam uma inusitada queixada de burro como forma de acender os ânimos da plateia.

Zuza Homem de Mello, engenheiro de som do festival e conhecedor inconteste da MPB, contou a história com muito detalhe e sabor no especial da Rádio Batuta sobre a disputa. Para resumir: ainda na coxia, Chico ficou sabendo que tinha sido eleito vencedor, mas, contrariado, disse que recusaria o título. O júri chegou num acordo e anunciou, então, um inusitado empate. Embora os dois finalistas tenham ficado com o título e dividido o prêmio de 30 milhões de cruzeiros, foi Chico que estourou Brasil afora – e não só –, firmando-se como um talento promissor.

Entre nossos cronistas, “A banda” também ressoou com sua melódica simpatia. Em “Outras notícias”, José Carlos Oliveira escreveu um compilado de novidades a uma amiga e destacou o arrebatamento da canção: “Brotou em nossos ouvidos uma flor, chamada ‘A banda’ – um hino nacional à inocência e à ternura”. Naquele período de políticas conturbadas e muitas incertezas, todos ficaram comovidos com aquela alegria: “Dom Hélder, o pipoqueiro do Posto 6 e Rubem Braga, a moça triste que vivia calada… Só se ouve falar na banda que passa, só se assovia a banda”.

Rubem Braga foi mais categórico na sua crônica "Música e pintura”: “A coisa mais importante no momento em matéria de música popular é mesmo Chico Buarque”. O cronista definiu “A banda” como uma daquelas canções capazes de emocionar pela facilidade de ser acessada por todos, diretamente com o coração: “É simples, tem graça e tem lirismo, é tão nova e tão antiga, é uma crônica cheia de poesia”. Braga, que conhecia os pais de Chico, fez votos para que aquele “rapaz tão novo fazendo as coisas tão boas e tão certas” não se deixasse atrapalhar pela glória “que lhe vem tão fácil”, e que seguisse “cada vez mais exigente consigo mesmo, para aproveitar seu claro talento musical”.

Carlos Drummond de Andrade, parece, foi o que mais gostou de ver a banda passar, pois andava precisado de amor. Amor que fosse “navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo”. A ordem, depois de “A banda”, era abrir as janelas, “subir ao terraço como fez o velho que era fraco”, correr na rua atrás da meninada e admirar a festa da rua. “Viva a música, viva o sopro de amor que música e banda vêm trazendo”, capazes de restaurar “em nós hipotecados palácios em ruínas, jardins pisoteados, cisternas secas”, escreveu o cronista.

Não faltaram elogios de Drummond ao jovem compositor, que alegrou toda a cidade, espalhando coisas de amor: “Coisas de amor são finezas que se oferecem a qualquer um que saiba cultivá-las e distribuí-las, começando por querer que elas floresçam”, escreveu o cronista. E arrematou com um pedido: “E se o que era doce acabou, depois que a banda passou, que venha outra banda, Chico, e que nunca uma banda como essa deixe de musicalizar a alma da gente”.

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Nota do editor: Clarice Lispector não escreveu sobre "A banda", mas sobre seu compositor, sim. Não deixe de ler "Oi, Chico!", crônica destacada do dia, para aproveitar a viagem.