15 jan 2019
Humberto Werneck
“Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade”, escreveu Machado de Assis, com ironia muito sua, e deu a receita: bastava dizer “Que calor! Que desenfreado calor!”, exclamações a serem proferidas “agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca.”Século e tanto depois – a crônica é de novembro de 1877 –, estamos livres da sobrecasaca, pesada e abafada vestimenta, carapaça, quase, dentro da qual o jovem (38 anos) colaborador da revista Ilustração Brasileira se sentia assar na fornalha do Rio de Janeiro. Nem por isso, sabemos, o refresco foi total. Encaradas agora em mangas de camisa, ou sem camisa alguma, as demasias térmicas do verão carioca seguiriam...13 dez 2018
Humberto Werneck
Uns mais, outros menos, cada um dos 12 meses nos reserva agendas – nenhuma delas mais imperiosa que a de dezembro. A contragosto ou de coração, quase não há quem não embarque ou se deixe levar pelo turbilhão inescapável de encontros, confraternizações, reconciliações, compras, festas, excessos de copo & garfo, tudo isso temperado por balanços de vida e formulação de planos para o ano que virá no tobogã do réveillon.Vividos ou enunciados, haverá excesso, também, de clichês e frases feitas sazonais. Se não há como fugir, por que não assumir, como se fosse livre escolha, o vagalhão de lugares-comuns que o calendário dezembrino nos impõe, sejam eles concretos como o pinheirinho pejado de bolas, sejam imateriais como os...30 nov 2018
Humberto Werneck
Sabem os cronistas a que extremos pode levá-los a obrigação de encher um palmo de jornal ou revista e não ter assunto para rechear o espaço. Este é todo um longo e divertido capítulo do ofício. Divertido, é claro, apenas para o leitor, que nem sempre poderia imaginar o pesadelo que foi para Paulo Mendes Campos, por exemplo, alinhavar a deliciosa “Vaidades e uma explicação”, ou, para Antônio Maria, pôr de pé sua impecável “Amanhecer no Margarida’s”.Fernando Sabino lembrou com muita graça o dia em que o colega Rubem Braga, à míngua de assunto, lhe perguntou se tinha alguma crônica usada que pudesse lhe ceder. Organizadíssimo, o escritor mineiro baixou a seus arquivos e de lá trouxe a história de uma sopa servida...13 nov 2018
Humberto Werneck
Até onde a vista alcança, Rachel de Queiroz não era dada a patriotismos, menos ainda a patrioteiras, fosse na ficção, fosse na crônica. Difícil imaginar esta cearense de linguagem desenfeitada alçando voos condoreiros como aqueles do baiano Castro Alves para reverenciar o “auriverde pendão da minha terra”. Estridências cívicas de sua parte, nem mesmo nos anos da juventude, quando, por breve e intenso tempo, esteve embarcada na militância comunista, engajamento que lhe custou encrencas com a polícia. Tampouco já cinquentenária, quando, instalada no outro lado do espectro ideológico, andou metida em conspirações que levariam ao golpe de 1964, do qual sairia presidente da República seu parente, amigo e coestaduano Humberto...30 out 2018
Humberto Werneck
Aqueles quatro moços mineiros que Mário de Andrade chamou de “vintanistas” – Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino – encontraram Carlos Drummond de Andrade pela primeira vez num inesquecível dia no início dos anos 1940, em Belo Horizonte, e com ele seguiram encontrados pela vida inteira. Mas qual dos quatro esteve mais próximo do poeta?Paulo, mais fechado, certamente não. Muito menos Hélio, homem exuberante, mas, naquele caso excepcionalíssimo, travado pela admiração e respeito. Talvez Fernando, e não só por ter sido vizinho do poeta – morava na rua Caning, a pequena distância da Conselheiro Lafaiete, naquele território em que Copacabana e Ipanema parecem confundir-se. Os dois tinham...15 out 2018
Humberto Werneck
São minoria os cronistas que não cuidam, cedo ou tarde, de peneirar em livro aquilo que escreveram para o varejo da imprensa. Entre os graúdos, um dos inapetentes foi Antônio Maria; se bem que o jornalista e compositor pernambucano, levado por um infarto aos 43 anos, pode não ter tido tempo para pensar na consolidação de seus escritos. Outro que se foi sem coletânea de crônicas, aos 70 anos, é Otto Lara Resende, cuja produção no gênero concentrou-se no final da vida – pouco mais de ano e meio em que, cronicando em ritmo diário, pingou quase 600 colunas na Folha de S.Paulo. E também Clarice Lispector, que não apenas se foi cedo demais, aos 57, como tinha com a crônica uma relação sofrida. No seu caso, assim como...27 set 2018
Humberto Werneck
Coisa singular, a tal da crônica, esse patinho feio da literatura. Ao contrário do que se passa com o romance, com a novela, com o conto, ela quase nunca resulta de um longo processo de elaboração. Nem poderia. É algo que precisa ser escrito, haja ou não assunto, e escrito para já, sob a pressão dos prazos de fechamento do jornal ou da revista. Embora em certos casos não fosse má ideia, não vale entregar à redação duas ou três laudas em branco. Dane-se a falta de condições ideais, dos largos períodos de maturação de que dispõe um ficcionista. Aquilo tem que sair, haja o que houver. Pense nisso quando estiver lendo qualquer das pérolas, e são milhares, recolhidas neste Portal da Crônica Brasileira. Difícil imaginar que...12 set 2018
Humberto Werneck
Praticamente já não há quem use a expressão acima, rés do chão, escolhida para designar nossos começos de conversa neste Portal da Crônica Brasileira. Quem chegou ao mundo nas últimas (muitas) décadas não tem a obrigação de saber que as três palavras, tradução literal do francês rez-de-chaussée, significam, diz o dicionário Houaiss, “pavimento de uma casa ou edifício que fica ao nível do solo”, ou, mais simplesmente, “andar térreo”. Lugar por onde se entra, portanto – a não ser que você disponha de heliponto no topo do prédio... “Rés do chão” já teria, assim, muito a ver com o vestíbulo deste Portal da Crônica Brasileira. Mas há mais: rez-de-chaussée, expressão corrente... 2 dez 2024
Guilherme Tauil
Sei que ainda temos chão pela frente, mas dezembro é um mês tão atípico, com tantas aspirações próprias, que não faz mal deixá-lo de fora da retrospectiva de leitura que preparamos para fechar o ano. De fato, com tanta gente viajando, festejando e descansando por festejar demais, sobra pouco tempo para ler crônicas na internet.
Comecemos a retrospectiva de 2024 pelas páginas dos autores – aquelas com o perfil biográfico e a linha cronológica, disponíveis ao clique nas caricaturas reunidas aqui. Dos cinco perfis mais visitados, em primeiro lugar está Rubem Braga, o que não causa espanto algum, visto se tratar do mais importante cronista do país. Na sequência, João do Rio experimentou um merecido momento de glória com a homenagem da Festa Literária Internacional de Paraty. Depois vieram, pela ordem, Fernando Sabino...